quarta-feira, 31 de março de 2010

Capítulo 25 ~ Louca

Quando acordo, vejo que não estou na minha casa.

Ah, muito longe disso. O colchão não é tão confortável, as cobertas não são tão fofinhas e meus carneirinhos sumiram. Muito, muito menos minha roupa é igual ao meu pijama do Snoopy. Mandando a real, eu nem sequer estou usando roupa. Isso aqui mais parece um avental, eu uso isso pra lavar louça.

— Acho que este aqui está virando nosso local de encontro.

Dou um pulo tão grande que até me pergunto como esse tecido verde claro não se rasgou em várias partes. E agradeço por não ter rasgado, acho que não é uma boa apressar tanto meu relacionamento com Luan assim.

Eu devo ter feito uma expressão arregalada muito idiota, porque ele riu da minha cara. Normal, é muito gratificante quando a pessoa por quem seu coração está pulando de alegria ri de você, tipo, o tempo todo.

Certo, falando bem sério, eu acho que eu também riria de mim se, sabe como é, não fosse eu mesma. Qual é, olha só para mim.

— E desde quando esse é o meu lugar favorito no mundo? – pergunto num misto entre irritação e êxtase, entendendo finalmente onde estou. Reconheci os aparelhos esquisitos.

— Desde que me conheceu, pelo que parece, sempre acaba aqui e dá um jeito de me encontrar primeiro – ele sorri ainda mais ao ver meu olhar espantado – ei, eu estou brincando.

Baixo meus olhos tentando me lembrar de tudo o que aconteceu, mas só identifico imagens vagas.

— Luan, o que houve?

Ele pisca algumas vezes até começar a falar.

— Ué, se você não sabe, muito menos eu.

Lanço um olhar torto e ele dá risada. Novamente.

— Tá, eu não sei, seu pai ligou lá em casa para contar que estava trazendo você para o hospital porque você tinha desmaiado. Então pegamos um táxi e viemos. Ele não me contou nada, não teve muito tempo para isso, sabe, com o desespero e tudo o mais.

— E onde ele está agora? – pergunto percebendo que papai não deu nem sinal de vida desde que acordei. É, eu sei, que foi há um minuto.

— Falando com os médicos eu acho… você fez alguns exames, deve estar vendo se já saíram e todo o resto.

— Exames? – pergunto quase engasgando – Há quanto tempo estou inconsciente?

— Há mais de três horas, acho – ele olha no relógio – ah, é, é, mais de três horas.

Eu fico tão espantada que nem posso raciocinar direito. Quer dizer, mais de três horas para acordar de um desmaio? Tempo bastante para quem teve a vida toda uma saúde intocável.

— Na verdade, já fazem três horas e trinta e sete minutos – ele acrescenta pensativo – e acho que eu já deveria ter ido avisá-los que você acordou – disse, levantando-se imediatamente. Sem pensar, agarro sua mão com o desespero estampado no rosto. Para meu consolo, ele se espanta tanto que quase posso rir pela inversão de papéis. Se eu não estivesse em crise, é claro.

— Não vá… – imploro, sentindo minhas bochechas esquentarem tanto que daria para fritar alguma coisa. Engulo em seco – fica aqui.

E juro para vocês: o que ele fez em seguida vai ficar marcado eternamente na minha história de vida.

Eu desejo, do fundo do coração, que todas as garotas do universo possam um dia receber um sorriso igual a esse. Quando vejo sua expressão se formar, é como se todo o resto tivesse se apagado e só existíssemos eu e ele em todo o planeta. As sobrancelhas arqueadas de uma forma tão carinhosa, seus lábios perfeitos expandidos, formando as covinhas mais lindas que já vi e provavelmente verei em todos os dias da minha existência bizarra… parece que tudo ali tem uma sintonia perfeita, a melodia perfeita para me deixar feliz. E, depois que ele simplesmente faz meu mundo parar apenas com a expressão do seu rosto, volta a sentar, girando sua mão e segurando a minha como se fosse feita de um vidro muito frágil. Então, põe-se a acariciá-la com o polegar, formando pequenos círculos.

E é exatamente aí que não posso mais segurar a esperança no cativeiro que eu havia preparado com tanto carinho para ela. Ela vem com força total, só para acabar com minha vida. Cruel como nunca alguma jamais foi, acendendo um grande e alto luminoso em neón, com luzes coloridas, piscando:

"ELEGOSTADEVOCÊ"

Não sei quanto tempo fiquei olhando dessa forma deslumbrada para os olhos dele, mas assim que me sinto segura o suficiente para relaxar nos travesseiros e o vejo mexer os lábios provavelmente para falar algo tão bonito quanto ele, a porta do quarto se escancara e papai entra com Victoire e Lise no seu encalço.

Eu, decepcionada, quero voltar a dormir.

Eu até me pergunto o que Lise estaria fazendo aqui já que não nutre sentimentos calorosos por mim, mas prefiro ficar na minha, principalmente porque ela está usando uma roupa que nunca imaginaria nela, aí não consigo prender a atenção em outra coisa, de tão abismada que estou. Eu achava que fazia bem o tipo de blusinhas brilhantes e saias cor-de-rosa. Agora, quem imaginaria um All Star e uma jaqueta de couro? Eu não.

E o jeans dela está rasgado no joelho.

No exato momento que a família toda voltou, Luan largou minha mão como se ela fosse feita de urtiga. Depois, olhou de relance para mim e se afastou com, eu juro, as bochechas um pouco mais rosadas.

— Lune! Graças a Deus que acordou – papai diz com uma voz aliviada. Até me sinto culpada por ter ficado assim, nunca o tinha visto desse jeito. Ah, nunca tínhamos passado por isso mesmo – faz muito tempo?

— Pouco mais de 5 minutos eu acho – Luan responde com uma voz esquisita.

Tudo isso? – ele olha para o pobre sem entender – e por que não foi nos avisar?

Tenho certeza que meu pai não quis parecer irritado com ele, mas, infelizmente, foi o que pareceu. Victoire até ficou meio sem graça. Então, me sensibilizei por Luan. Quer dizer, meu pai é uma boa pessoa, de verdade, mas ele não precisava ter falado dessa forma.

Tá, tá, eu confesso, eu tomei as dores do cara porque gosto dele, e daí?

— Fui eu que pedi, papai – disse, num tom de gemido que obviamente era pura enganação – acordei e não havia ninguém aqui além dele, como esperava que eu ficasse?

Com certo prazer vi seu rosto se transformar em algo parecido com o remorso. Qual é, o cara fica aqui cuidando de mim quando todo mundo se manda, me proporciona essa visão abençoada logo quando desperto e ainda me dá o sorriso mais lindo da história para, no final, levar um coice do meu pai?

Ora, veja só. É mesmo muita injustiça. Eu jamais me calaria enquanto meu pai dá o mole de ficar chateado com ele. Era você, Papai-Desnaturado-Otto, que deveria estar na cabeceira da minha cama, chorando diante do meu leito doente, quando eu acordasse de três horas e trinta e sete minutos de desmaio.

Não que eu esteja reclamando. Só achei injusto, sabe como é.

Que culpa eu tenho? Que tipo de garota não ficaria atordoada depois do sorriso que recebi? Bom, desculpe decepcioná-los, mas sou humana. Posso não ser uma humana das mais tradicionais, mas, ainda assim, humana.

Enquanto me distraía com o ar agradecido dos olhos de Luan, meu pai me pedia mil desculpas.

Só me ferro nessa família.

— Desculpe filhinha, mas eu precisava de notícias, você nunca me deu um susto desses em anos e agora desmaia e fica horas inconsciente…

— Mas o senhor podia ter sido um pouco mais educado – eu disse, numa voz fingida de mágoa – Luan ficou aqui de toda a boa vontade. Não foi assim que me educou.

— Tem razão filhinha, tem razão – ele fazia carinho na minha mão, não parecendo estar ligando muito para o que eu estava dizendo. Parecia apenas querer se desculpar comigo para não contrariar.

Acho que eu deveria desmaiar mais vezes, papai fica muito engraçado. Tão vulnerável.

Sem aviso, uma pontada forte na cabeça me trás de volta ao mundo real e eu me lembro de tudo como num bombardeio.

— Quem me segurou? – mando de repente e um silêncio estranho e confuso paira sobre o quarto. Imediatamente, percebo que acabei de surtar de um jeito meio esquisito e que deveria ter me controlado. Mas agora já era.

— Como disse, amor? – mandou papai, sem entender muito.

— Quando eu caí. Quem me segurou? – repeti, um tanto mais sem graça.

Tremo quando vejo meu pai e Victoire se entreolharem. Luan olha de mim para eles e Lise… bom, Lise não faz nada.

— Desculpe, florzinha, mas não sei do que você está falando – diz meu pai, sem jeito.

Aí eu me afundo no colchão. Não só por ele ter me chamado de florzinha, mas… qual é, eu desmaiei e perdi um pouco os sentidos, mas antes disso eu estava bem lúcida. Certo, não tão lúcida, mas conseguia saber a diferença entre imaginação e tato. Mas, se meu pai não sabe…

— Qual é pai – digo com uma risadinha nervosa – eu não fiquei louca. Sei muito bem o que aconteceu antes de perder os sentidos, eu tinha levantado e vi algo do outro lado da cortina… então vacilei e antes de cair no chão senti alguém…

De novo o silêncio tenso.

— Eu tenho certeza – reforcei, antes que houvesse alguma dúvida.

— Sinto muito, Luninha – pude perceber claramente a voz nervosa de meu pai – mas não havia ninguém lá.

— Eu acordei com você me chamando e, quando cheguei lá, você estava caída ao lado da sua cama – acrescentou logo depois.

Bom, agora nos encontramos numa situação bastante peculiar. Seu pai e sua provável futura família pensam que você é maluca, mas há uma batalha emocionante entre a sinceridade e o bom senso. Eles têm medo de falar a verdade porque você vai pensar que estão te chamando de pirada, mas também não querem te magoar. Logo, o próximo passo é ficarem procurando motivos para provar para você e para si mesmos que você não é, sabe, uma maluca de pedra.

Com essa situação toda, preferi nem compartilhar o fato de que eu não gritei por ninguém antes de desmaiar. Até por que, eu estava mesmo me sentindo bastante louca com a história toda.

— Ah, chérie – Victoire foi a primeira – você tem certeza mesmo? Às vezes pode só ter tido a impressão…

— É! – papai – Você pode ter tido algo como um sonho, sabe, isso já aconteceu comigo, uma vez fui levantar para ir ao banheiro, mas estava com muito sono e caí, por que tinha adormecido em pé, acredite, eu sonhei que tinha realmente ido ao…

— Eu acho – Lise – que você bateu com a cabeça.

(Silêncio).

— Ou – Luan disse ao meu lado, parecendo ser o mais equilibrado de todos e claramente tentando me fazer sentir melhor – você bateu com as costas na cama e teve a impressão de ter sido alguém.

Isso! – Papai e Victoire exclamam, num coro quase perfeito.

— Ou simplesmente bateu a cabeça – Lise diz mais uma vez, infelizmente, parecendo a mais confiável de todos.

É realmente admirável os esforços deles em tentar encontrar uma solução, mesmo que não tenham me convencido. Eu tenho a nítida impressão de que alguém – alguém adulto – me segurou. Foi como uma imagem na minha mente, veio como um… ah, não sei explicar. Mas… parecia alguém gentil. E familiar.

Ah, o que eu estou dizendo, se não foram eles não pode ter sido mais ninguém.

— Lise, pare com isso – Victoire cospe na direção de Lise, com raiva – os médicos a examinaram, ela não bateu a cabeça.

— Puxa – a menina retruca, erguendo as sobrancelhas em minha direção – que pena, então ela é louca mesmo.

Afundo nos travesseiros, pesada. Estou me sentindo meio fraca ainda e só tenho vontade de me deixar embalar e embalar… e embalar…

Devo estar mesmo ensandecida.

Deito a cabeça um pouco para o lado e vou fechando os olhos devagar, ainda ouvindo meu pai e Victoire conversarem nervosos. Nada que eu realmente entenda, principalmente porque não quero. Prefiro ficar aqui, me deixando levar pelo sono. É engraçado como quando você está assim, com os olhos fechados você consegue captar coisas que não perceberia antes… quase posso ver Luan, ao meu lado, e Lise, sentada mais adiante… consigo sentir a presença deles, as mudanças na claridade, o ar… eu sempre gosto de fazer isso no jardim de casa, apenas sento e fecho os olhos. É como se o ar me contasse…

Quando tudo está escuro e penso que vou cair no sono em questão de segundos, algo quente toca minha mão.

— Lune – a voz de Luan resgata meus sentidos. Tudo bem, como é ele eu dou um desconto. Abro os olhos e, ao invés da natural expressão relaxada, encontro sobrancelhas preocupadas.

Ele havia se aproximado muito e me observava com o cenho franzido. Gentilmente, afasta os cabelos do lado do pescoço que acabei de deixar livre, coisa que faria qualquer garota surtar. Porém, como sua expressão não é boa, seguro a onda.

— O que é isso, Lune? – diz em voz baixa, tocando o lado do meu rosto para virá-lo um pouco mais. Levo minha mão até a nuca e algo úmido encontra meus dedos.

— O que… – eu afasto a mão para conseguir ver e falo assustada – é sangue?

Presumo que tenha dito isso um pouco alto demais, pois papai e Victoire pararam no mesmo instante de sussurrar às minhas custas.

— Como é, Lune? – papai se aproxima rápido, não sem antes dar uma boa olhada na situação e fazer cara feia para Luan, que me tocava com intimidade. Não tanto quanto eu gostaria, obviamente. Sinto minhas bochechas corarem.

Eu sei e você sabe. Mas meu pai não sabia que o motivo de Luan estar com a mão no meu pescoço era totalmente inocente. O pior é que nem posso culpá-lo por ter praticamente empurrado o garoto ao se aproximar, pois, ainda que com ótimas intenções, ele estava mesmo perto, debruçado em cima de uma cama que já é alta.

Sabe como é, não pude deixar de corar.

Mas quem diria que um homem feito como meu pai seria tão mal educado? Já não bastava ter falado com Luan daquela forma desagradável antes, agora se enfia na frente do garoto. Eu, mesmo sabendo que não posso culpá-lo, me enfureço ao ver o rapaz cambalear e quase cair sentado na cadeira às suas costas. Por um segundo, Luan me pareceu irritado, se não vi mal.

Eu queria poder dar uns bons cascudos no meu velho, mas na atual circunstância de amiga-apaixonada, eu não tinha esse direito. Ia dar muita bandeira.

— Você está bem filhinha? – disse o sr. Otto-sem-modos – Como fez isso?

— Não sei, ainda não tenho olhos nas costas – discutir pode não ser o melhor, mas ninguém disse que não posso ser grossa de vez em quando – se me arranjar um espelho talvez possa responder melhor.

Quando papai abriu a boca para se oferecer, eu o cortei.

— Luan, pode tentar achar algum pra mim?

Meu pai piscou em minha direção.

— Eu pego um para você, filhinha.

— Não, eu quero que ele me ajude – falei, com os olhos cerrados.

Claro, só depois pensei na possibilidade de Luan não querer ir, mas ele é educado e se levantou ágil, fazendo que sim com a cabeça e um sorriso no rosto.

Eu sou muito cara-de-pau mesmo. Papai pareceu meio frustrado, mas nem liguei.

Victoire, que estava parada no pé da cama me sorri alegre. Nem sei direito o porquê, mas ela sorria abertamente. Depois, se aproximou e olhou torto para meu pai, que imediatamente pareceu desconcertado e foi puxado para mais longe, abrindo espaço suficiente para Luan passar com o pequeno espelhinho que tirou do banheiro do quarto.

Aproximando bem, percebi o que era. Um corte fino, manchado de sangue e emoldurado por um vergão muito vermelho, de ponta à ponta da minha nuca.

Exatamente sabe onde? Sob meu colar.

Agora me lembro. Me lembro bem. Quando levantei senti o peso vindo da jóia e não era, óbvio, um peso comum. Tinha algo a mais nele, algo que – pelo visto – me machucou.

Hoho.

Coisa completamente normal. O que há com você? Vai me dizer que nunca aconteceu de um colar assumir o peso de um bloco de concreto de uma hora para outra? É claro que já, acontece o tempo todo com todo mundo. Porque eu sou completamente normal.

Quer saber, ainda bem que já estou no hospital, assim só me resta levantar daqui e descobrir qual é a área de psiquiatria.

É, belo exame, profissionais do hospital – sussurrei, admirada por médicos e enfermeiras não terem visto um corte daquele tamanho.

Isso acontece só para me perturbar, só pode. Por que tudo acontece em torno desse cristal?

Qual é, contos de fadas não existem, isso não é real. Primeiro eram os choques, as ondas de calor… depois ficou pesadinho, mas algo que ainda dava para duvidar… eu já tinha aceitado que não passava de mera impressão minha. Mas nessa situação é impossível, loucura, duvidar. Chegou a me machucar. Fez ferida. Claro, o sangue já coagulou, depois de tanto esse tempo, mas… não se pode questionar: meu colar é um mutante sem propósito.

Eu detesto admitir, mas estou com medo.

Tá, eu sei, sou medrosa, não tenho por que detestar admitir.

Será que…? Não.

Não, isso é uma idéia ainda mais absurda, Nara não poderia ter razão.

O.k., piração, qual é Lune, acorda. Você não pode estar pensando…

Sinto minhas mãos tremerem com o receio. Agora entendo como deve ser para minha amiga, tão cética, manter depois de anos a mesma opinião a meu respeito. É como uma guerra, só que dentro da sua cabeça. Tudo aquilo que você sempre pensou ser a verdade se confunde com tudo aquilo que você sempre pensou não existir e, num momento, você percebe que a verdade sempre foi o que não existia. As pessoas que você sempre julgou serem sonhadoras e criativas, de repente, são sábias.

Acho que é mais ou menos nesse ponto que você descobre que, na verdade, não sabe nada, não é? Você se pergunta: quem sou eu no meio de tudo isso? Então, percebe que não passa de uma criança presunçosa, que pensava ter razão sobre tudo. E o pior, é que ainda se nega a acreditar!

Assim como eu, procurando uma saída qualquer além da explicação mais óbvia. Assim como Nara demorou anos até criar coragem para me confessar realmente o que achava sobre mim. E eu ri dela, sem nem pensar no quanto isso a magoaria. Não me importei em saber o quanto ela sofreu antes de me contar. Não quis saber o quanto ela mesma já tinha se repreendido por pensar aquilo. Ri, como se ela fosse louca.

E agora estou aqui, anos depois, passando pelo mesmo.

Minha cabeça gira tanto que, pela primeira vez em anos, sinto vontade de arrancar essa jóia do pescoço. Se ainda não a arranquei, é apenas por causa da lembrança que tenho da minha avó.

Minha avó.

Ela não era uma pessoa comum. E, mesmo tendo tanta certeza de tudo que falava, tenho a impressão nítida de que, se alguém a confrontasse algum dia sobre seus pensamentos, ela nada mais faria do que considerar a opinião alheia e tentar acreditar nela. Porque ela sim não seria cética. Ela sim não era presunçosa. Sabia que não era dona da verdade, como as outras pessoas teimam em crer que são. Se ela estivesse comigo quando, anos atrás, ri da opinião de Nara, teria me repreendido.

Ah, sim. Minha avó não era como as outras pessoas.

Era uma velhinha muito interessante, ela. Me sinto mal em pensar que nem ao menos conheço seu nome. Lembro daquele cabelo comprido e prateado, os olhos bondosos, sempre lacrimosos… as mãos carinhosas. Lembro das comidas que fazia… mesmo sem ter a mínima idéia de como eram. Até hoje, nunca consegui encontrar pratos tão deliciosos quanto os que ela fazia, no velho fogãozinho à lenha.

Lembro da casinha, simples e pobre, no meio da clareira de um bosque. O Sol batia na minha janela, muito cedo, e eu logo corria descalça sobre as folhas caídas das árvores, ainda molhadas pelo orvalho. Lembro das borboletas, voando em minha volta como se realmente brincassem comigo… elas realmente brilhavam, não brilhavam?

Definitivamente, acho que sim.

Me recordo de tantas outras coisas… é estranho que não consiga me lembrar aonde era. Tantas conversas, tantos conselhos… tardes de dança e música com aquela pessoa tão amável.

E não sei como encontrá-la.

Sinto saudades.

Refletindo sobre as maneiras, aparência, lembranças que tenho de minha avó, admito que era uma criatura realmente peculiar e lhe cairia muito bem o papel de boa velhinha, aquelas que aparecem em contos de fadas. Mas há uma grande diferença entre o parecer e o ser. Duvido muito que minha avó saísse por aí cantando Bibidi-bobidi-boo.

Por exemplo, nossa vizinha, a Sra. Miralle: é uma francesa meio perturbada que mora sozinha com seu monstruoso Rottweiler – um cachorro que se quisesse quebrava todos seus ossinhos em uma bocada só. Ele é o Roget. É assustador, mesmo que para mim nunca tenha feito nada, acho que porque sabe que no fundo gosto dele. Várias vezes já entrei sorrateiramente no quintal da Sra. Miralle apenas para lhe dar água fresca. Não porque ela seja uma dona ruim, ela é estranha, seus filhos lhe deram o cachorro para cuidar da casa, pois ela não faz. Tá, tá, a questão é: a velha é meio maluca. Nunca sai de casa a menos que seja para pendurar a roupa, regar suas plantas e de vez em quando pôr comida para o coitado do Roget, que sempre está preso. Sai fumaça daquela chaminé incessantemente e ela nunca abre as cortinas.

Ela tem tudo para ser uma ótima candidata à bruxa. Mesmo assim, acho apenas que ficou meio caduca quando enviuvou do velho Heitor. Tenho pena dela, por ser tão sozinha e muitas vezes já fui regar as plantinhas que ficam para fora da sua cerca, sabe como é, para ajudar.

Mas, não. Apesar de toda a estranheza sinistra da Sra. Miralle, quem parece mais apta a ser eleita como bruxa, fada, elfa, feiticeira, qualquer coisa não-humana, além de mim, é minha avó.

E eu nem a conheço o suficiente para dizer que ela não é tudo isso. Apenas rezo para que ainda esteja viva.

5 comentários:

  1. AAAAAAAAHHHH Liine *--*
    Eu acompanho Nienna desde o ano passado, mas só agora criei vergonha na cara pra vir aqui comentar >< AMO AMO AMO de paixão a história, já fui na comunidade do orkut pedir os caps. por e-mail e já indiquei essa história pra algumas amigas *-* É realmente linda, viciante, o desenrolar dos acontecimentos é muito muito bom, e agora são exatamente 03:42 e eu estou me atualizando nas postagens D:
    Mas enfim, só queria dizer que lerei, e sempre que puder vou comentar aqui <3
    Ah, e mais uma coisa, eu adoro o modo como você escreve, é perfeito! Me faz gostar muito das personagens, principalmente da Lune. E mal posso esperar pra ver acontecer alguma coisa entre ela e o Luan. É isso *-* beijooss <33

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  2. Esse é aquele que ele pega na mão dela no hospital, né? ADORO essa cena (é, decorei).

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  3. Nossa, fiquei um tempão sem ler e agora engoli tudo de uma vez. Mal posso esperar pelo próximo cap!!

    Agora vou meter o dedo na história. Oh não, eu não consigo me conter e guardar minhas deduções só para mim!!!

    Bom vamos lá:
    1-) Acho que a Lise é o próprio reflexo da "conciência humana", a "razão lógica" da Lune;
    2-) A Sra. Miralle é a avó da Lune, que na verdade sempre esteve por perto sem que a Lune soubesse;
    3-) O Luan tem "super poderes" e claro o tal cachorro Roget é o mesmo que esteve na varanda e que também pode ser ninguém mais ninguém menos que... tchan tchan tchan: Luan;
    4-) A "madastra" ao contrário do que parece é má, ela apenas está distorcendo os fatos reais de Lune;
    5-) Ah o Phil, ele também tem "super poderes", mas esse ai está aliado à "Boadastra".
    Nossa que viagem, acho que a louca da hitória aqui sou eu, com minhas idéias mirabolantes!!!

    Enfim:
    Estou adorando mesmo, e espero que não fique zangada com minhas deduções!!

    Bjks

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  4. Uou!! o que será q aconteceu com a Lune?? Quem será q a segurou?? estou curiosa, quero mais!!!

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  5. ai...começei a ler ñ faz muito tempo...+ estou fikando meio q ...viciada...
    ai...eu quero um Luan p/ mim tb...*-*

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