quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Capítulo 43 ~ O Mistério da Batata

Várias pessoas costumam criticar Moulin Rouge. A maior parte delas justifica a aversão dizendo que é um filme viajado, louco e cheio de partes incompreensíveis ridículas, como aquela em que todos se unem numa música estranha para convencer o duque da maravilha do espetáculo espetacular. Já a menor parte dessas pessoas afirma achar o filme uma bosta porque simplesmente odeia musicais. Realmente, existem alguns musicais insuportáveis, até para mim. Aqueles em que o personagem se encontra nas situações mais deprimentes e, mesmo assim, tem ânimo para cantar numa voz feliz: e ago-ora, estou na me-erda e isso ééé uma grande porcari-i-a – estou dando um exemplo, logicamente.

Mas, não Moulin Rouge.

Há três anos, estava sentada calmamente neste mesmo sofá, viajando nos pensamentos. Me lembro bem da Lua, pois era para ela que eu olhava. Também me lembro de estar me sentindo um tanto sozinha, sentindo falta de alguém. Não que isso fosse uma novidade, naquela época eu constantemente sentia falta de alguém. Talvez eu estivesse pensando na minha mãe. Ou, melhor dizendo, estivesse pensando em uma mãe qualquer. Pelo menos, é o que suspeito – que o indivíduo misterioso fosse, no fim das contas, a figura materna que nunca tive.

Não importa.

O fato é que essa pessoa, seja quem fosse, me fazia falta. Uma falta imensa e, no momento em que Nara irrompeu pela porta de casa e subiu a escada pulando vários degraus de uma só vez, eu estava a ponto de dormir. Esperava que, dormindo, conseguisse acabar com a ausência. Esperava que a pessoa me visitasse. Porque ela costumava fazer isso. Por várias vezes acordei de um sonho sorrindo, tudo porque ela estava nele, com sua presença estranha. Sem um rosto, sem um nome, mas sempre por perto, me tocando. Me aninhando num abraço. Brincando com meus fios de cabelo. Beijando meu rosto com seus lábios cheios de saudade. Saudade de algo que nunca aconteceu.

Então, Nara chega com uma caixa numa mão e um saco de batatas-fritas na outra.

Moulin Rouge” ela diz “precisamos assistir. Agora”.

Confesso que, inicialmente, não me interessei muito. Pensei ser mais um daqueles filmes água-com-açucar românticos com que Nara costumava se encantar. Ainda mais por ser musical. Não que eu não goste deles, eu adoro música, principalmente as que envolvem minha própria voz. Mas a maioria – se não todos – os que eu havia assistido até ali, não eram grande coisa. Ou eram bons, mas não o suficiente para me tirar mais do que um “legal mesmo” ao final do filme.

Não preciso dizer o quanto foi diferente com Moulin Rouge. Isso nem é uma coisa fácil. Mas vou tentar mesmo assim: foi como se o filme tivesse substituído alguma parte que faltava e me levou para bem perto da pessoa que eu estava esperando há pouco tempo. Me fez acordar, me deu algo pelo que torcer, me deu um motivo para pensar no amor. E o principal e o mais chocante: me fez chorar.

Nós assistimos três vezes seguidas. Na primeira, eu entrei em choque, fiquei pasma, com os olhos cheios de lágrimas. Não queria acreditar. Na vez seguinte, fiquei muda do início ao fim, mal conseguindo ver as cenas. E, na terceira vez, chorei. Chorei mesmo, de escorrer lágrima e soluçar. Enquanto eu unia voz com Ewan McGregor ou Nicole Kidman, parecia sentir tudo o que seus personagens estavam sentindo. E chorei como nunca na minha vida.

Após esse dia, sempre que Nara fica sabendo que pretendo assistir o filme, ela faz o possível para estar junto. Porque diz que me ver cantando as músicas de Moulin Rouge é uma das melhores coisas que alguém pode ter o privilégio de presenciar.

Vai entender. Na verdade, a única coisa que eu faço é… cantar. E canto como se a história fosse comigo. Nunca me vi como uma pessoa com imaginação fértil, mas confesso que quando vejo Moulin Rouge, minha cabeça vira tanto que eu sinto a situação como se fosse comigo. E quase me convenço disso. O amor representado por eles é tão forte e triste que eu sinto em mim mesma, desejando nunca ter de passar pela mesma coisa.

E, ainda assim, sempre com a sensação de que vou.

Bom, enfim. Expliquei tudo isso só para tornar a minha situação atual um pouco menos chocante e eliminar a chance de alguém levar um susto sem tamanho. Porque, se alguém subir subitamente essa escada, com certeza vai berrar de medo.

A menos que o alguém em questão seja Lise, que se limitou a arregalar os olhos e fixá-los em mim, com sua natural expressão de mau-humor e um enorme ponto de interrogação pairando no ar.

Não sem motivo. As pessoas mais centradas, no caso, ela, conseguem manter o rosto impassível ao se deparar com uma garota descabelada encolhida num sofá coberto por fragmentos de batatas fritas, enquanto, com o rosto metido num edredom velho cheio de retalhos, canta em lágrimas o quanto o mundo é bonito agora que a pessoa amada está no mundo.

É.

Pensa só no meu desespero quando percebi sua excelentíssima presença me encarando. Eu já achava muito que Nara visse essa cena ridícula. Para minha sorte, ela estava com mais sobrecarga de irritação do que hoje à tarde e, por isso, nem se incomodou com a visão. Apenas balançou a cabeça e sentou bem no meio do sofá, entre Nara e eu, com sua impressionante cara de incômodo profundo. Inicialmente, pensei que o incômodo fosse eu, mas depois percebi que seus pensamentos estavam longe. A cada cinco segundos, ela franzia o cenho, bufava e olhava para o relógio na parede.

— Aconteceu alguma coisa, Lise? – perguntei de forma muito cautelosa, uns três minutos depois dela se sentar.

Não obtive resposta. Ela só balançou a cabeça e fez um sinal estranho com as mãos, como se dissesse que falaria depois. Dei-me por vencida e passei a comentar com Nara meu desesperado desejo por mais batatas fritas. Estava quase conseguindo convencê-la a sair para comprar quando o telefone tocou e, com muito custo e coragem, levantei para atender.

— Hã – disse, sem muito entusiasmo.

— Lune? – uma voz masculina soou do outro lado da linha, mas logo na primeira sílaba minha esperança se quebrou. Eu seria capaz de reconhecer a voz de Luan num pigarro e, absolutamente, uma sílaba foi o suficiente para eu ter certeza de que não era ele.

— E se for? – a falta de entusiasmo continuava.

— Oi, aqui é o Phillip. Sabe, o Phil.

— Ahã, oi, Phil.

Ele estava interrompendo meu filme e, além disso, minha petição por batatas. Ele merecia uma atenção congelada.

— Bom… eu liguei para saber como você está.

— Bem.

— Está precisando de alguma coisa? Por que posso…

— Não, não, eu estou legal. Tirando a miséria de batatas fritas estou tranqüila.

— Batatas fritas? Eu posso…

— Não, sério, tudo bem.

(Silêncio).

— Hã… – ele prosseguiu – sei que pode ser uma coisa meio chata de se perguntar, mas é que eu realmente estou preocupado com você. Bom, de qualquer forma, se você não quiser, eu vou entender… eu estava pensando, amanhã a gente podia dar uma volta, sabe, depois da aula mesmo, aproveitar o final da tarde.

O cara não espera nem o defunto esfriar.

Certo. Realmente, foi um absurdo ele tentar uma investida assim logo de cara. Sem contar todas as mancadas que o pobre coitado já deu, todas as psicoses e coisa e tal. Mesmo assim… bom. Eu aceitei.

Sim! Foi estupidez!

Eu juro que não ia aceitar, estava quase desligando quando Nara e Lise pareceram se ligar do assunto do telefonema e começaram a me mandar sinais incompreensíveis. Disse para Phil retornar a ligação dali a uns cinco minutos e, depois de ordens intolerantes de Lise – praticamente gritadas, sabe-se lá por que, alguém poderia ouvi-las de cima do Everest – fui convencida a aceitar. Afinal, era só um passeio à luz do pôr-do-sol.

“Aceite! Vamos! Ele é louco por você!”, a pequena dizia. Eu olhava desamparada para Nara, que apenas dizia “seria bom ter por perto um cara que se importa, só para variar”. Eu tentei rebater, lembrando-as de que Luan se importava. Afinal, ele veio me procurar.

Passei todos os cinco minutos considerando os argumentos delas. Eu não queria aceitar, ou, pelo menos, essa era a única consideração clara na minha cabeça. Havia muitas outras, mas todas confusas. Construções lógicas que ainda não estavam prontas. Sabe como é, meus neurônios são lentos, com certeza qualquer coisa mais elaborada levaria tempo para ficar nítida. Mas, mesmo lotada de raciocínios turvos, algo foi se montando e algumas pecinhas foram se encaixando até que considerei a possibilidade de concordar com as meninas. Não consigo explicar qual fator foi responsável por esse progresso, pelo menos por enquanto, mas asseguro que era bastante razoável.

Por isso disse sim, mesmo insegura ainda, já que não estou acostumada a pensar. Sempre acreditei ter uma natureza intuitiva. Sempre optei pelas alternativas certas, não lógicas.

E, bem, veja aonde vim parar. Num sofá, chorando e me entupindo de fritura.

Por esse motivo quis uma vez na vida arriscar a fazer algo lógico. Afinal, os seres humanos são famosos por isso. Por pensar. E que a voz irritante do meu subconsciente vá dormir, sem se esquecer de antes jogar os não faça isso, não faça isso na privada e dar descarga.

Que tipo.

Seria um eufemismo dizer que Phil ficou feliz com minha decisão final. Por que, para falar bem sério, ele entrou em êxtase – me desculpem os curiosos, eu gostaria de poder reproduzir a sua reação, mas as circunstâncias não contribuem. Ele pareceu não acreditar, ficou perguntando “é sério? É sério mesmo?” o tempo todo, isso sem contar a respiração eufórica. É bom ver alguém ficar assim só por poder estar em minha companhia. Coisa que, vale ressaltar, Luan nunca fez.

Ah, qual é o meu problema? Ele não precisa demonstrar nada. Não é culpa dele se desenvolvi um tipo de dependência. Me sinto ridícula por tentar culpá-lo de algo. Por isso, não quero me forçar a pensar no meu passeio com Phil como um tipo de vingança. Porque não é. Luan não merece vingança. Aliás, não só isso. Para ser uma vingança, ele precisaria gostar de mim.

Acho que, sob esse prisma, eu adoraria poder me vingar. Infelizmente, não há pré-requisitos suficientes.

Mas, vamos esquecer isso. Como eu disse, não existe vingança. Até porque, seria cruel. Com Phil. Ele estava sendo sincero. Está preocupado comigo. E não duvido nada que, amanhã, faça o possível para me fazer sentir melhor.

É um sujeito estranho, psicótico, louco. Mas eu gosto dele.

Quem sabe, lá no fundo, um dos motivos para eu ter aceitado foi esse. É um cara ótimo, eu posso ver isso. E se importa comigo. Depois da conversa de Nara, fiquei sem jeito de dispensar mais essa oportunidade. Um pouco de razão ela tem. Eu poderia valorizar mais as coisas que já estão ao meu alcance.

Eu achei que precisava fazer alguma coisa. Por isso aceitei.

Só não entendi muito bem a sensação de prazer de Lise. Ela pareceu satisfeitíssima com a novidade e começou a perguntar milhões de coisas sobre Phillip. Não me deixou em paz nem por um segundo, nem quando eu quis descer para conferir se a porta estava mesmo trancada, pois pensei ter ouvido o trinco abrir. Mandou Nara nessa difícil missão.

Sei lá.

Pensando por outro lado, depois de hoje, vê-la entusiasmada por conta da minha atitude pró-ativa não é algo tão incomum, acho.

… Ou… espera.

Não. Não, espera aí. Tem algo muito errado nessa história. Caiu a ficha. A maquininha voltou a funcionar. As roldanas do meu cérebro giraram.

Isso é desesperador. Humilhante.

Eu sei por que definitivamente aceitei o convite de Phil.

Não tem nada a ver com o papo de Nara. Nada a ver com a insistência de Lise. E também não tem a ver com Phil ser ou não um cara bacana, embora isso seja uma parcela. Bem pequena, mas é.

O problema é que… Phil está preocupado comigo, Nara está preocupada comigo, Lise se preocupou comigo…

E Luan também. E aí está o problema.

Ele veio me procurar. Para esclarecer as coisas. E isso só pode ter três explicações:

a) Ele veio atrás de mim porque não agüentava mais todo mundo insistindo e lutando pelo esclarecimento da situação, a fim de evitar o prolongamento do meu estado;

b) Ele veio atrás de mim porque sente algo pela minha pessoa e não quis que nada atrapalhasse nosso relacionamento ainda inexistente;

c) Ele veio atrás de mim porque ficou preocupado com o meu bem estar. Em outras palavras, sentiu pena.

Frente a todas as hipóteses, eu pisei na merda.

Porque, não importa qual das três teorias é a verdadeira, nas três Luan sabe. O que eu sinto.

Claro, nenhuma novidade, essa informação já tinha passeado diversas vezes entre meus neurônios. Se bobear até já dançou ciranda com eles. Eu já sabia. Mas ainda não tinha me dado conta do tamanho do problema.

Nunca me senti tão ridícula.

Não deveriam fazer isso. Phil, Nara, Lise, Luan. Ninguém deveria estar assim. Porque eu não deveria estar assim. Estou agindo como se tivesse sido traída. E não fui. Luan não é nada meu. Nada. E, depois de ter saído correndo daquela forma, cavei minha própria sepultura amorosa.

Fico me perguntando o que Luan estaria pensando de mim. Estaria pensando como sou idiota por levar esse tipo de coisa a sério? Talvez.

Cale a boca, Lune, “talvez”? “Talvez” é o tipo de resposta que se dá para quem pergunta se você tem apenas uma célula cerebral.

A resposta certa é: COM A MERDA DA ABSOLUTA CERTEZA.

Foi isso que me fez repensar a decisão e aceitar o convite de Phil. Quem passou horas e horas num sofá vendo Moulin Rouge e se entupindo de Coca-Cola/batatas fui eu. Não Luan. Eu fiz isso. Porque sou idiota. Porque não segui o que Lise disse. Preferi me recolher em uma dor que, desde o principio, reconhecia como incoerente. E, diante de tudo isso, percebi a necessidade de sair do poço. Quem sabe tentar restabelecer a minha auto-estima. Mostrar para todo mundo que não estou no chão, deprimida, arrasada, digna de preocupação. Mostrar para Chantal que eu ainda posso ser melhor do que ela.

O.k., estou me sentindo estranha.

Isso é tão… normal. Comum. Tão humano que não parece eu mesma.

Acho que preciso de um chá bem forte e umas pílulas calmantes.

Esqueça, alguém traga a morfina.

Já eram quase onze horas da noite quando decido assistir o filme pela última vez – hoje, obviamente – e descer para caçar uma bebida. Meu pai ainda não voltou e não tenho certeza de que voltará. Digamos que Lise foi muito eficiente. Sim, porque só pode ter sido ela a responsável por arrancar o pobre de casa. No mínimo bajulou a mãe para resolver o problema e convencê-lo a passar a noite fora.

O mistério é: se ele não voltou e não esteve em momento algum em casa, da onde veio o pacote de batatas fritas parado indefeso e inocente sobre a mesa da sala? Não havia batata alguma na última vez que desci.

Com certa dificuldade, quebrei a cabeça para tentar achar uma explicação para o mistério da batata. E, como facilmente se supõe, não consegui. Me conformei com a teoria de que, como não pus os pés nessa escada depois da chegada de Lise – pelo menos não de acordo com minha memória – ela poderia ter comprado, largado na primeira superfície e se esquecido de avisar.

Claro que há um furo nisso, pois Lise é do tipo que não se esquece de nada. Ainda mais depois dos meus insistentes pedidos por comida. A propósito, Lise também não faz é do tipo que traz comida para os outros. Porém, o sono e o cansaço não me permitiam pensar em muito mais, então peguei o saco e subi, pressionando-o contra meu peito como uma viciada em cocaína faria depois de uma semana sem ver um grama sequer na frente. Por hoje, vou me limitar a assistir meu filme e, com sorte, consigo pegar no sono ouvindo o Ewan McGregor cantar que o amor nos leva ao lugar ao qual pertencemos. Numa dessa, dormindo assim, consigo sonhar com aquela pessoa, que sempre visitava meu sono. Sonhar com seus braços me envolvendo e com seus dedos acariciando minhas bochechas.

Ou, não sei. Mesmo depois de tudo, não tenho certeza se é necessariamente ela que quero ver quando fechar os olhos. Desde que Luan assumiu o papel, os sorrisos ao acordar têm sido maiores. Com ele, tenho um olhar, um cheiro, um toque para reconhecer. Uma voz para ouvir. Mesmo que tudo só aconteça no meu próprio mundo.

Meu mundo. Às vezes, gostaria de permanecer nele. Às vezes acho que já estou. E, às vezes, acho que o deixei há muitos anos.

Engraçado como tudo fica acessível nos sonhos.

sábado, 18 de setembro de 2010

Apenas alguns recadinhos :)

Leiam! As novidades são boas!

Primeiramente, quero agradecer o imeeenso apoio que tenho recebido de todos os leitores [e até não leitores, pois muitos me perguntam se eu já tenho o livro disponível para venda, já que não conseguem acompanhar pelo blog]. É o carinho de vocês que me faz ter cada vez mais esperanças de realmente alcançar a publicação :)

Também gostaria de informar a todos que, finalmente o original de O Cristal está sendo avaliado por uma editora. Vamos torcer, povo! Quem sabe não vemos Nienna nas livrarias ano que vem? *-*

E o melhor: estou trabalhando incessantemente num projeto que, acredito, vai agradar muuuito todos aqueles que realmente gostam da série e estão ansiosos pra ler o final. O que é? Uma publicação independente decente. Sim, sem essa história de encadernação fajuta! Conversei com o papai e ele concordou em me ajudar nessa história toda. Ou seja, vamos fazer tudo numa gráfica de verdade, com qualidade e ilustrações na capa! Sempre disse que faria desenhos para ilustrar a história, mas antes não tinha certeza se conseguiria colocar uma capa realmente bonita. Agora, ao que me consta, isso vai ser possível!

Eeee :D

Quanto aos desenhos internos do livro, só fiz dois até agora mas, modéstia a parte, estão ficando ótimos ! A publicação, provavelmente, ainda demorará um pouco, pois vamos pesquisar e fazer vários orçamentos, porém, acredito que teremos um bom presente de Natal :)

Prometo divulgar em todos os lugares quando ela estiver próxima e espero que todas as pessoas que estão me garantindo a compra realmente realizem quando chegar a hora. Se isso acontecer, vou vender tudo bem rapidinho *-*

Só tenho a agradecer mesmo o apoio que venho recebendo de vocês. Muito obrigada!

É isso, por enquanto, povo! Até a próxima e não deixem de participar da comunidade de Nienna no Orkut (aqui), lá é mais fácil de encontrar informações sobre a série em si, já que estou sempre respondendo as perguntas :)


Beeeijos!


Ps: agradeço imensamente à Paula Pimenta, autora de Fazendo o Meu Filme, por ter divulgado minha série e a história da Nilsen (aqui) no seu Twitter (@paulapim). Sem palavras pra dizer o quanto fiquei feliz!

Ps²: também agradeço à Luiza, do blog Paixão por Livros (aqui), e à Gabriella (aqui) por terem lembrado de mim e indicado Nienna como Blog de Ouro. Obrigada, flores!


Capítulo 41 ~ Irmãs

Um tempo sozinha é tudo de que preciso. Acho. Um tempo tranqüilo e sem nenhum tipo de acontecimento absurdo para que meus neurônios tenham a chance de tomar um chá e relaxar. Quem sabe, pensando com calma, eu consiga aceitar melhor tudo o que aconteceu. Possa deixar de me incomodar com a dor e tentar entender a explosão de reações que tomou conta do meu corpo. Sim. É isso que vou fazer. Sentar aqui, respirar fundo e canalizar a sensação ruim do meu peito para fora.

Não consigo explicar com muita eficiência o que senti exatamente quando vi o beijo. Sei que foi um beijo sem importância, que não havia intenção nenhuma da parte de Luan. Sei. Mas, mesmo com essa consciência, alguma coisa bem escondida dentro de mim foi incomodada, alguma coisa sensível e de muita força que eu não lembrava existir. Não faço idéia do que seja. Só sei que um pedaço de mim, há muito guardado e enfraquecido, foi violado. E, se não me engano, aquele transe veio de sua ferida.

Quando vi Luan preso contra a parede e os lábios de Chantal brincando sobre os seus, senti como se estivesse num plano diferente, um plano mais denso. Não sei se essa é a palavra, mas eu sentia a pressão do ar, a dificuldade em respirar. Meu peito doía, meu coração parecia sofrer com o esforço das palpitações. Aquela ânsia desconfortável que, na menor das chances, tentava passagem. Meus músculos estavam rígidos, dormentes, embora eu sentisse minha energia vital se esvair por diferentes pontos do meu corpo. Cabeça, mãos, peito, costas. Agora, lembrando bem das imagens, cores me chamam a atenção. Engraçado. Nunca tinha parado para pensar se as nossas lembranças vêm em cores. Essas, em especial, estão manchadas de vermelho.

Ainda há mais uma coisa. Durante toda a cena, eu tive a impressão de perder alguma coisa. Era como se, a cada segundo, alguém viesse e sugasse de mim um pouco de Luan. E ainda me sinto dessa forma cada vez que penso em Luan e Chantal. Seus corpos juntos. As mãos dela em sua nuca, correndo os dedos entre os fios do seu cabelo… tudo justamente da forma que, por muitas vezes, fiz em meus sonhos.

Não tenho certeza se você consegue me entender e imaginar como isso dói. Pois, para mim – me perdoe se isto soar com exagero – foi como se minha essência tivesse sofrido um acidente. Um impacto contra um muro de concreto.

Seja lá o que isso significa.

De forma alguma estou aqui justificando o meu estado de autopiedade, mas, vendo as coisas por esse ângulo, foi bastante compreensível.

Isso é, caso você entenda a intensidade das emoções. Foi mais ou menos tudo isso que quis explicar para Nara quando se aproximou e se sentou muito quieta em minha frente. Durante uns bons minutos, se ocupou com a tarefa inútil de alisar, ajeitar e refazer as pregas de sua saia. Fui esperta o suficiente para notar que, obviamente, ela só estava fazendo aquilo para não ter que olhar para mim, já que não havia nada para ser arrumado ali.

Mesmo sentindo milhas de distância entre nós, ao ver seu rosto, sempre doce e familiar, não consigo simplesmente continuar agindo como se não houvesse nada demais acontecendo. Afinal, Nara é – e sempre foi – o meu lado mais sensato. Porém, enquanto eu falava tudo o que acabei de relatar aqui, via seus olhos se encherem de água. Até que desatou a chorar.

Pode imaginar qual foi o meu espanto?

Parei de falar no mesmo instante, surpresa demais para conseguir continuar. Não me sinto muito confortável. Devo dizer que, ver essa reação, mais do que perturbada ou preocupada (o que, pode ter certeza, estou), me deixou curiosa.

Meu Deus, o que aconteceu com ela?!

Tentei ao máximo respeitar seu espaço e a deixar em paz, mas a curiosidade é um insetinho asqueroso. Quando pica, a ferida fica coçando, coçando e coçando até cravarmos as unhas nela.

— Nara, por que está chorando? – pergunto com a voz mais açucarada possível e toco seu joelho, num ato medíocre de apoio. Ela esconde o rosto nas mãos e soluça sem parar.

Nara é daquele tipo de pessoa que só chora quando se emociona muito. O detalhe é que ela se emociona muito com bastante facilidade. É muito interessante ouvir seus desabafos, é quase como… assistir novela. Por mais que o motivo das lágrimas seja banal, o jeito dela de ver as coisas é sempre um drama incrível. O problema é que, hoje em particular, não sei o motivo e, dessa forma, não posso afirmar se é banal ou não. Com certo pavor, me dou conta de que o problema pode ser eu mesma.

Entro em desespero, obviamente. Ela já estava estranha há tempos, mas em momento algum me dei ao trabalho de perguntar o porquê. Sou uma amiga vergonhosa. Com amargura, sinto a culpa pesar sobre meus ombros. Distraída como sou, posso tê-la magoado sem sequer notar e nem me interessei em saber qual era o problema. O sentimento de curiosidade vai embora num instante e o medo assume o seu lugar. É miserável o fato de eu ter visto as coisas acontecerem sem me dar conta do tamanho da minha falta de consideração.

— Nara, eu fiz alguma coisa? Por favor, me diga, você sabe que sou meio lenta para perceb…

— Pare, Lune, por favor!

Aí percebi que as coisas estavam realmente críticas. Nara mal podia ouvir minha voz. E o que eu faço? Milhões de alternativas me vêm à cabeça, provando o trabalho árduo, porém pouco útil, dos meus neurônios. Sim, porque, se eles tivessem achado uma solução plausível, eu não estaria ainda aqui inerte e com a boca aberta como uma planta carnívora.

Decido – em parte por achar mesmo melhor e em parte por falta de opções mais criativas – esperar Nara se acalmar para, por iniciativa própria, me explicar seu choro. Não demorou muito. Mais ou menos três minutos depois ela (ainda sem me encarar) desabafa.

— Me desculpe, Lune.

Essas mesmas palavras já estavam muito bem formadas na ponta da minha língua, prontas para serem soltas. A surpresa não me permitiu dizer nada. Não era bem essa a frase que eu estava preparada para ouvir.

— Como é? – pisco em sua direção, confusa. Suas bochechas ardem num vermelho gritante.

— Me desculpe, Lune, fui uma amiga ridícula para você.

— … Amiga ridícula?

— Sim.

— Hã?

— Pare com isso! – ela se enfurece com minha evidente dificuldade de compreender as coisas e me encara com seus olhões inchados.

— Desculpa, Nara, o que…

— Não peça desculpas!

Acho melhor eu ficar quieta de vez.

Sua vergonha é bastante perceptível, agora. Pela forma como está agindo, acho que realmente não fiz nada de errado (não que isso seja uma conclusão brilhante de minha parte).

Sabe, quem não conhece não tem idéia do quanto Nara fica doce quando está derramando lágrimas. Os olhos castanhos redondos ficam levemente esverdeados quando cheios de água, as voltinhas graciosas nas pontas do cabelo curto, os lábios volumosos totalmente cor-de-rosa e a expressão de menina insegura dão vontade de carregar no colo e levar para casa. Sempre pensei que quando um cara se apaixonasse por ela com certeza seria por que a viu chorando.

Então, dá para entender por que fiquei tão comovida.

— Lune, eu… – Nara volta a falar – não sei se consigo dizer isso – pausa para suspiro – ontem… ontem eu estava bastante incomodada. Tudo bem, essa não é a palavra certa.

Ela suspira mais uma vez.

— A verdade é que, ontem, eu senti muita inveja. De você.

(Silêncio).

Era só isso?

Ou eu perdi algum pedaço importante da conversa ou o choro dela é mesmo exagerado. Tipo, não que inveja seja algo bom, mas tem invejas e invejas. Eu mesma invejo Nara por milhões de coisas. Pela sua capacidade em fazer coisas significativas, como escrever, pintar as unhas, colocar acento nas palavras certas ou manter o caderno longe da terra e da chuva. Mas, como ela me olha ansiosa, acho que lhe devo algum tipo de resposta. Por isso, falo:

— Uau, Nara. Obrigada.

No mesmo instante percebi que falei bobagem. Nara ergue a cabeça, me fulminando com os olhos. Quase peço desculpas, mas considerando o insucesso da última vez, decido calar a boca.

O.K.! O.K.! Ninguém precisa se matar aqui, foi só um erro de interpretação pequeno que já será resolvido, minha inteligência não é das mais podres, também. Não me xingue.

— Como assim “obrigada”?

Ela parece bastante chocada com a minha aparente falta de noção das coisas. Inicio minha defesa imediatamente.

— Nara, não há nada de errado nisso, somos amigas.

— Não, não, não! – ela balança a cabeça de um lado para o outro com tanta rapidez que eu ficaria tonta em cinco segundos se me atrevesse a fazer o mesmo – Essa é a inveja boa!

— Sim, é isso que estou querendo dizer, é uma inveja boa! – sorrio, feliz por tê-la feito compreender e dou palmadinhas de felicitação em sua mão esquerda.

Apesar disso, Nara não tem a mesma reação. Novamente ela baixa os olhos e, após alguns suspiros, percebo uma lágrima cair sozinha em seu joelho. Depois de um tempo o número de lágrimas aumenta e, quando vejo, sua cabeça está pousada sobre minha clavícula.

E eu fiquei, tipo, ? E agora, meu Deus. Sei que devo abraçá-la de volta, mas simplesmente não consigo me mover.

— Me desculpe, Lune, eu estou me sentindo a pior amiga do mundo – ela fala, com a cabeça ainda sobre minha clavícula.

— Mas você sabe que não é, pare com isso – seguro seus braços, sem saber o que fazer. Quer dizer, até pouco tempo atrás eu estava propícia a esse tipo de cena.

— Não foi um mal entendido! Isso é que você não entendeu! Não foi uma inveja boa. Foi aquela que ninguém deveria sentir, por ninguém. Aquela que a gente sente pelas pessoas que mais odeia.

Ah.

— Você é maravilhosa, sempre foi – ela continua falando para meus ossos enquanto eu interpreto o que ela acabou de dizer – desde a primeira vez que nos vimos, quando jogou aquela garota estúpida que estava rindo de mim a um metro e meio de distância e quase a fez quebrar a coluna.

A informação me distraiu por uns segundos.

— Eu fiz isso? – perguntei, incrédula.

— Sim, fiquei tão feliz quando percebi que você não se lembrava. Eu nunca quis te dizer por que sabia que você se sentiria um monstro.

— Bom, eu estou me sentindo agora – respondo, horrorizada comigo mesma e confusa, também. Como não me lembrei disso?

— Mas não deve, Lune, não deve, você é maravilhosa e eu prometo nunca mais esconder nada de você.

Eu não sei o que dizer. E o estoque de frases dela parece ter se esgotado também. Eu acabei de descobrir que quase quebrei a coluna, veja bem, a coluna de alguém. Isso explica porque a garota saiu tropeçando daquele jeito.

Depois de alguns minutos de silêncio triste – da parte dela – e pasmo – da minha parte – eu consigo lembrar minhas células do cérebro de que são possuidoras da magnífica capacidade de movimentarem meus músculos. Seguro firmemente os braços de Nara e a coloco reta.

— Por que você sentiu inveja de mim, Nara? – pergunto meio incerta se há mesmo algo passível de inveja na minha pessoa. Algo importante, logicamente.

Vejo mais lágrimas beirarem seus olhos.

— Ontem, quando você faltou… várias pessoas vieram me perguntar de você. Bom, seria mais justo dizer que vários garotos vieram perguntar de você. Uns quinze, assim. Até alguns que tinham namoradas. Na primeira distração da parte delas, vieram e perguntaram se você estava bem. “Ei, Nara, ouvi que Lune está no hospital, como ela está? Não é nada grave, certo?” ou “você é a amiga da Lune? Ela está internada, está bem? Por que se ela estiver mal eu queria levar algo para ela”… – ela chorou mais – aquilo me deixou furiosa.

— Mas, por quê? – percebo que meus lábios se entreabriram, porém, não faço questão de esconder meu espanto. Nem um pouco – Eles estavam só se importando comigo.

Ela parece terrivelmente envergonhada. O que é muito bom.

— Eu nunca tinha percebido o quanto isso me incomodava, Lune, mas naquele dia todos os anos que me senti apagada perto de você voltaram de uma só vez.

Eu parei um pouco e pensei. Pensei mesmo, de verdade. Durante anos, quem se sentiu apagada fui eu. Eu me via como uma garota aleatória, que acordava e ia para a escola todos os dias porque me diziam ser o certo. Porque era isso que as garotas geralmente faziam. Porque era o natural. Eu nunca me vi como alguém de fato. Eu malmente tinha vontade de ficar aqui. Eu malmente me queria em estar aqui.

E, agora, Nara, minha melhor amiga, a pessoa que mais admirei por toda a vida, me diz que se sente apagada perto de mim. Eu ao menos tenho uma vida. Eu tenho uma inércia.

Isso é… até Luan chegar.

Analisando bem, depois de Luan, meus dias se transformaram completamente. O que é meio digno de um conto-de-fadas.

— Você me conhece – Nara continua, depois de se recuperar o suficiente para poder formar sílabas –. Desde pequena sonhei com casamentos, filhos. Fantasiava romances imensos e namorados da realeza. Agora, falando assim, pareço bastante idiota e me sinto dessa forma, acredite, mas não posso mudar as coisas. Eu sou do tipo romântica. E ontem meio que me dei conta de que ninguém nunca percebeu minha existência – ela faz uma pequena pausa e limpa suas bochechas. Depois, com a voz trêmula, conclui: –. Ninguém nunca vai me notar enquanto tiver você para ver, Lune.

— Nara, você sabe que eu nunca pedi por isso.

— Eu sei! – ela se apressa em esclarecer e, num gesto involuntário, alcança minhas mãos.

Nisso, os quilômetros diminuem drasticamente e, pela primeira vez em bastante tempo, consigo ver em Nara a mesma menina tímida que me acompanhou por anos. Que me olhava sempre em busca de proteção, de carinho, de atenção. E, reciprocamente, ela parece também reconhecer em mim a criança que sempre a tratou como o maior dos presentes.

Assombrada, perguntei a mim mesma quanto tempo fiquei sem perceber que a pequena Nara de nossa infância havia sumido. Aquela que me abraçava todos os dias, sem pular nenhum, e chupava as pontas das marias-chiquinhas enquanto sonhava acordada.

E minha amiga parecia estar se perguntando a mesma coisa sobre mim. O silêncio fez eu me sentir horrível. Nara sempre foi minha única amiga. Sempre. E depois que nos conhecemos nunca mais nos separamos. Eu mudava de colégio, ela mudava também. Ela mudava, eu fazia de tudo para ir estudar com ela. E, mesmo assim, não dei por falta de nada quando ela mudou. Não notei sua transformação. E, por sua expressão de agora, ela também não parece ter notado a minha. O momento em que deixei de ser aquela criança alegre, aquela caixinha de sonhos, para ser a Lune de agora. Aliás, a Lune anterior a Luan.

— Eu só não tinha notado, Lune.

— Também não notei. Também estava longe.

Ela me olha com aquela cara, tipo, “hã?” e esclarece:

— Não, não isso – ela solta um riso fraco – eu não entendia o seu lado. Nunca havia notado o seu modo de ver as coisas.

(Silêncio).

— Não entendeu, não é?

— Não, desculpe – respondo humilde. Ela sorri.

— Eu me limitava a pensar no meu lado. Via você desprezar todo mundo e achava isso horrível da sua parte. Achava horrível você não ter noção e jogar fora a sorte que tinha. Eu sempre fiz de tudo para ser uma boa pessoa. Sempre quis que gostassem de mim, faz parte de quem sou, também. Nunca me preocupei com o seu motivo para mandar todos os garotos do mundo passear. Você simplesmente não gostava deles, mas eu não pensava assim. Eu só pensava que era injusto. E, depois de hoje, finalmente caiu minha ficha. Você também sofre. Você não é um zumbi humano por opção, como eu acreditava que fosse.

— Você achava que eu era um zumbi humano?

— Bom… sim. Você era um zumbi humano.

(…).

Ah é, é, ela tem razão.

— Quando a gente conhecia um cara – ela continua, ajeitando uma mecha de cabelo atrás da orelha e olhando para minhas mãos – ele olhava para você. Ele conversava com você. Podia ser qualquer um, de qualquer tipo. Era sempre você. Desde que me lembro. Bom, ainda é. Eu… eu sempre tentei relevar essas coisas. Achava que, quando fosse para ser o cara certo, ele iria olhar para mim. Mas, com o tempo, eu percebi que enquanto eu estivesse com você, ninguém faria isso, mesmo que fosse, tipo, minha alma gêmea. Até mesmo quando o encanto por você passava, eles não me notavam, porque simplesmente se afastavam. Procuravam fingir que você não existia e, conseqüentemente, se esqueciam de mim também.

Ela fez uma pausa para recuperar a voz e suspirar.

— E… e eu amo você – Nara me sorri e eu sinto vontade de abraçá-la com muita força, para tentar aliviar qualquer coisa que estivesse ali – eu jamais iria deixar você sozinha, mesmo que por uns minutos, só para, sei lá, tentar arranjar um namorado. Eu nunca me afasto de você, você é uma das pessoas mais importantes para mim, você é como minha família. Mas a coisa é que… com o tempo, fiquei sufocada.

— Por isso você fugia de mim quando Luan estava por perto? Como aquele dia do balanço? – pergunto, morrendo de medo da resposta. Não queria que meu novo motivo de felicidade fosse um desconforto para ela.

— Não. Com Luan sempre foi diferente. Mas, quando percebi que ele provocava algo em você, fiquei meio boba. Vi que, justamente ele, não tinha nenhum tipo de reação alucinada. Isso mexeu comigo. Eu vi que você não está livre de sofrer por amor e tinha medo de que isso me mostrasse o quanto eu estava errada por sentir inveja. Eu não ficava por perto quando Luan se aproximava porque tinha medo de que você notasse. Sabe, a minha inveja.

— Eu não amo Luan – digo, irritada – você sabe, é apenas uma atração. Amor é coisa séria.

Ela revira os olhos.

— Não importa, Lune, o negócio é que… eu fui terrivelmente infantil. Terrivelmente. E fui um lixo de pessoa. E o pior: vi de perto a forma como ficou assistindo aquela cena deprimente de Chantal e só fiquei lá, vegetando. Na verdade… eu já suspeitava que algo assim fosse acontecer… pude ouvi-las falando algumas palavras soltas. E fiquei quieta. Você sempre me defendeu, sempre cuidou de mim e hoje, quando você mais precisou não fiz nada. E estou arrependida. E prometo que nunca mais vou negligenciar você. Eu te amo, irmãzinha.

Ela termina, me dando um enorme abraço. E eu a abraço de volta, logicamente, muito feliz por ter minha amiga de volta. Minha irmã. Que, sem notar, deixei ir embora e não percebi sua ausência para trazê-la de volta.

— Nara, me desculpe, eu nunca percebi nada disso.

— Não tem que se desculpar. Eu não devia ter deixado meus pensamentos me afastarem de você. E, não sei que tipo de mel existe em você que atrai todos os homens, mas, seja o que for, apenas está em você. Nada pode mudar isso. Deve ser só, sei lá, sua alma bruxa.

— Isso não foi engraçado – respondo, desgrudando seus braços de meu pescoço.

— E não era para ser, não deve ser tão emocionante ter uma alma bruxa.

— Cale a boca.

E nós damos risadas juntas. E acabou.

— Hã… tem muita gente rindo de mim, lá na matrix? – continuo, enquanto solto um suspiro de alívio. Afinal, além do sentimentalismo e aquela melação toda, alguém precisa me informar das coisas.

— Bom… tem muita gente rindo de você. Sabe, você saiu correndo e praticamente declarou para todos os ventos que está apaixonada por alguém. Você movimentou muito a cabeça dos garotos por lá.

— É, eu imagino. Todos os caras que chutei o traseiro devem estar querendo minha cabeça.

— Acho que não. Os caras não são vingativos como nós, mulheres, costumamos ser. A maioria deles não se importa e está só batendo nas costas de Luan, dizendo: “aí, gostosão, levou o peixe grande?”; “Sortudo do”… você sabe, aquela palavra imprópria.

Estou incerta sobre como me sinto por ter sido chamada de peixe.

— Bom, agora eu entendo porque Luan fez tanta questão de vir esclarecer as coisas, é pura pressão e saco cheio.

Um silêncio um pouco incômodo surgiu e eu pude perceber um novo ar em volta de Nara. Ela olhava para as próprias mãos e parecia desconfortável. De repente, suspira e esfrega os olhos.

— Eu troquei umas palavrinhas com Luan depois que você saiu. Quis fazer alguma coisa depois do desempenho vergonhoso de só ficar assistindo. Ele não pareceu muito flexível.

— Como assim?

— Bom, ele estava consciente de que você não ficou feliz e também de que deveria ter relutado, ao invés de só esperar que uma ventania misteriosa atacasse os cabelos da estupradora demente. Mas… quando fui falar com ele, ele só enfatizou o quanto não poderia ter feito nada. Não gosto disso.

— O que ele disse?

Ela suspira mais uma vez e se dedica mais do que o normal a ajeitar os frisos da saia.

— Ele disse que não teve culpa se uma ruiva alucinada se atirou em cima dele e afirmou que estava sem opções de ação. Então eu lhe disse uma opção bastante óbvia: a de ter mandado ela se ferrar. Aí Luan ficou puto da vida e disse que eu “não entendia nada”.

— Espera – espera, espera aí – ele disse assim mesmo, que você “não entendia nada”?

Ela fez que sim com a cabeça.

— Isso foi…

— Meio grosseiro. Eu sei.

Eu não queria aceitar.

— Sim, foi mesmo – aceitei, no fim das contas.

— Mas, sabe, também tem muita gente com medo, por causa do seu olhar assassino.

­— Olhar assassino? – pareço confusa o suficiente para convencer Nara de que não sei mesmo do que está falando. Ela empalidece um pouco, arrependida do que disse.

— Bom… – ela começa, relutante – digamos que você ficou com uma expressão meio… assustadora.

— Sei… – na verdade, não sei – e como foi essa expressão?

— Ah… aquilo… os olhos meio arregalados, fixos no espaço, os cabelos se erguendo em volta de você… – ela fez uma pausa incerta e, por fim, concluiu – a íris meio vermelha.

— COMO?

Ela diminui de tamanho alguns centímetros frente ao meu pânico. Íris vermelha? Quem fica com a íris vermelha? Como alguém fica com a íris vermelha? Eu tinha milhares de perguntas, a confusão estava bem demonstrada nas linhas do meu rosto. Eu quero insistir, quero saber o que aconteceu. Mas, de repente, me sinto tão cansada que mal consigo mover os lábios. Pela segunda vez no mesmo dia, sinto minha energia vital fugir de mim. Então ouço uma voz. A mesma de sempre:

“Esqueça isso. Não importa”.

Sim. Vou esquecer.

Nara vê meus olhos caídos, minha respiração pesada. Segura minha mão e a examina, para constatar se tenho vontade suficiente para movê-la. Depois de mexer em meus dedos um por um e concluir que não estou com ânimo nem para impedir que ela estale meus ossos (coisa que detesto), sorri para mim e diz:

— Bom… você não vai assistir mais aulas hoje, não é?

Eu sinalizo que, com certeza, não.

— Legal. Então vamos dar um jeito de sair daqui. Podemos sair, nos divertir e…

Ao ver a animação de Nara, me recordo do por que estou ali. Por que cheguei ao ponto ridículo de correr e me esconder atrás de uma planta. Mesmo que eu tenha conseguido me distrair das lembranças anteriores, elas voltam. E com força. Os problemas com Nara, as imagens em vermelho, meus olhos vermelhos, Luan… tudo acabou me deixando exausta. Com o corpo cansado, eu não via como ignorar as dores ainda persistentes. Pelo que vejo, elas ainda vão levar tempo para passar, já que estão todas trancadas aqui dentro. Sei perfeitamente do que preciso agora.

Eu preciso chorar.

E sei como fazer isso.

— Nara – digo levantando e sentindo os joelhos latejarem – quem sabe seja a hora de apenas ir para casa e assistir um filme.

Ela parou uns segundos e sorriu para mim. Pareceu compreender exatamente o que eu queria.

— Tudo bem, vamos para casa assistir Moulin Rouge pela qüinquagésima nona vez na sua curta vida de quase dezessete anos.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Capítulo 39 ~ Nome


“Essa é você”, a voz dizia, sem nexo algum. Eu apenas desejava que ela se calasse.

“Você vai aceitar. Você vai entender”.

Cale a boca.

“Essa dor vem do que você é”.

Essa dor não faz sentido.

“Você não se lembra de quem é”.

Eu me olho no espelho todos os dias.

“Se visse, já teria percebido o contrário”.

Eu sou Lune.

“Você é Nienna”.

— Lune!

De repente, foi como despertar de um sonho.

Alguém grita meu nome, mas antes que eu consiga voltar completamente a mim, uma coisa pequena atravessa minha frente. Talvez seja mais adequado dizer que ela se joga na minha frente. Nós travamos um encontro violento e caio de joelhos no concreto. Antes mesmo de estar consciente o bastante para sentir a dor, ouço risos.

— Isso foi tenso! – Lise, estendida ao meu lado, desabafa entre gargalhadas. Ela ri muito, com as mãos desnorteadas no ar e os cabelos ondulados espalhados pelo chão. Suas bochechas estão vermelhas, talvez por causa da adrenalina. A minha vontade é perguntar se ela tem algum prazer em sentir dor. Porém, se eu abrir a boca, o desconforto instalado no fundo da minha garganta ganhará a liberdade.

Finalmente, Lise consegue não rir o suficiente para ser capaz de me olhar. Na mesma hora, qualquer vestígio de alegria desaparece de seu rosto. Eu imagino o que ela vê. Uma garota caída, de joelhos, agarrada à própria barriga numa posição retorcida. Seus lindos cabelos louros tocam o chão e seu belo rosto está molhado por lágrimas.

Não que eu tenha conseguido chorar. Hoje, mais do que nunca, desejei ter essa capacidade. Mas, não, a água dos meus olhos apenas escorreu com o vento enquanto eu corria o máximo que podia.

— O que foi? – Lise se apóia sobre os cotovelos e não faz questão de se arrumar. Não parecia preocupada com a desordem dos seus cabelos e com as coxas quase inteiramente à mostra, ganhando bastante atenção do grupo de jovens bem próximo a nós. Na verdade, ela parecia não dar a mínima. Mesmo.

Quando ouço o tom preocupado de sua voz, algo em mim desaba. Quando percebo, já estou no ombro de Lise, cansada e sem força nenhuma para continuar agüentando sozinha a dor ainda latejante no meu peito.

Sendo bem sincera, eu esperava que ela me empurrasse ou reclamasse. Mas, diferente do que eu imaginava, além de um singelo “ai, Deus”, ela não protestou nem por um segundo. Pelo contrário: segurou minhas costas sem jeito, num meio-abraço. Lise, a garotinha que eu chamei de estúpida a primeira vez que vi, é quem está aqui, no chão duro de um pátio, me oferecendo seu ombro sem reclamar.

Como as coisas mudam.

— Lune – ela diz o mais mansa que sua personalidade consegue – o que aconteceu? Você está horrível.

Fiz um esforço tremendo para engolir a ânsia. Passado um tempo, consegui diminuí-la o bastante para ser seguro falar.

— Ah, Lise… – eu disse para seu ombro, estranhando o som suave e melódico da minha voz – você nem imagina…

— Tem algo a ver com meu irmão? – ela mandou ver, de uma vez só, tipo um soco no estômago.

Lógico, eu devia ter imaginado. Tapada como sou, deixei muito clara, para quem quisesse ver, minha explosão de sentimentos por Luan. Aliás, não. Tapada como sou, além de fazer isso, ainda acreditei piamente que conseguiria esconder com sucesso alguma coisa. Às vezes eu mesma sinto pena de mim.

Em resposta para Lise, apenas balanço a cabeça afirmativamente. Sim, estou assinando meu contrato de morte. Eu assumo: Lise, estou apaixonada por seu irmão.

— Vamos sair daqui.

Ela me ajuda no trabalho árduo de me levantar e meus joelhos doem absurdamente. Olho para eles e percebo que logo estarão enfeitados com belos e grandes hematomas.

Lise pergunta se há algum lugar mais tranqüilo aonde eu queira ir. Não tenho certeza se o mais agradável seja o mais adequado, considerando que Luan me encontraria facilmente, mas, ao mesmo tempo, não existe nenhum outro em que eu queira ficar agora. Preciso urgentemente sentir o cheiro das folhas e me aconchegar numa grama. Caminhamos em passos lentos para meu habitual cantinho-escondido-nada-secreto-atrás-do-arbusto. Em total silêncio.

Eu fiz isso, não fiz?

Não sei ao certo em qual nova informação devo pensar. Tento, com toda a minha concentração, afastar a mais desagradável delas, a imagem que, a cada flash, me embrulha o estômago e me deixa dividida entre a dor, a raiva e a ânsia.

O maior problema disso tudo é que minha concentração nunca foi grande coisa. Mesmo com todo o esforço possível, só consigo pensar nos lábios de Chantal sobre os de Luan. É horrível. E não deveria ser. Quer dizer, por um lado, qual garota não se abalaria na minha situação? Qualquer uma. Mas a questão não é essa. Não é a perturbação, e sim o tamanho dela. É enorme, é demais, é anormal.

Anormal. Claro que é anormal. Depois de hoje, da reação que tive ao ver aquele beijo, continuar tentando me convencer de que todas as experiências estranhas da minha vida são meros acasos seria mais do que negligência: seria a mais pura essência da ignorância. Seria admitir a existência de nenhuma célula cerebral dentro da minha cabeça – e vale lembrar de que tenho um belíssimo par. Mais tarde espero conseguir convencer meu casal de neurônios a dispor de algum tempo e suor em favor de refletir sobre o transe assustador de hoje, já que, agora, qualquer trabalho a mais sobre eles poderia resultar numa sobrecarga.

— É aqui? – Lise me acorda e, meio atordoada, digo que sim. Ela fecha a cara.

— Você deveria se olhar no espelho. Está numa situação de dar nojo.

— Estou tão feia assim? – pergunto meio envergonhada. Levo a mão timidamente à cabeça no intuito de abaixar alguns fios de cabelo. Pensando bem, não estou muito certa de que quero a verdade.

— Não me faça rir – ela responde revirando os olhos – quem sabe no apocalipse você fique feia, com todo o fogo e as desgraças. O que está ridículo é essa sua expressão de piedade. Se o mais ferrado dos indigentes tivesse algumas aulas com você, em cinco dias suas esmolas o fariam mais rico do que Tio Patinhas.

Ela deve ter razão. Estou mesmo me sentindo digna de piedade, embora ache difícil alguém ser mais rico do que Tio Patinhas. Lise não está feliz com isso. A cada segundo, vejo seu rosto ficar mais furioso. Engraçado. Quando ela franze as sobrancelhas, lembra muito o irmão. E só contemplar essa semelhança já é o suficiente para encher meus olhos de água e fazer crescer o desconforto do meu pescoço… e quanto mais ela se enfurece, mais fica parecida…

De repente, seu pequeno e delicado braço se ergue em fúria.

— EI! – grito, absolutamente chocada, e instintivamente seguro minha bochecha direita, já quente – FICOU MALUCA?

— Não, mas você deve ter ficado idiota! – ela grita em resposta, ensandecida.

— Você me deu um tapa! – deixo a indignação tomar conta do momento. Ninguém nunca me deu um tapa.

Os olhos verdes de Lise parecem queimar. Num instante, minha coragem balança de verdade.

— Escute, Lune Noire, mas escute bem, porque vou falar só uma vez – a pequena criatura à minha frente levanta o dedo indicador e o estica bem em frente ao meu nariz. Meus pêlos do braço se arrepiam com o tom assassino de sua voz – nunca mais quero ver você com essa cara de “pobre de mim”, principalmente quando for por culpa de outras pessoas, qualquer uma. Entendeu?

— É fácil para você falar – digo ainda segurando o rosto e totalmente envergonhada – não era você quem estava lá assistindo aquela louca assediar Luan só por que ela e todo mundo acha que estou perdidamente apaixonada pelo cara – frisei bem a palavra acha, perceba. E não sei por que, sinceramente. Como se adiantasse de algo.

— Não, não era. Mas pode ter certeza de que, se fosse, não estaria aqui escondida numa moita, com ar de “oh, Deus, cura esta ferida, meu coração foi vítima da cruel flecha da dor-de-cotovelo”. A estas horas aquela vaca estaria na enfermaria, implorando para Madame Chercris ajudá-la a colar os dentes de volta na boca.

Olhando para a pequena e, sem conseguir escapar do seu olhar imperdoável, tive, por fim, que admitir a derrota. Ela tem completa razão. Estou fazendo um papel ridículo. Bom, nenhuma novidade até aí. Mas, realmente, não posso baixar a cabeça e continuar agindo como uma injustiçada vítima do destino.

Com muito pesar, é isso o que digo para ela. E por um momento – bem pequeno mesmo – pude ver nela uma expressão doce. Nunca havia percebido como Lise – com seus cabelos chocolate, seus cachos e enormes e soltos, seus olhos e cílios grandes, lábios bem torneados – se parecia com uma boneca. Daquelas caras, de porcelana, com bochechas rosadas. Obviamente essa figura não dura muito, pois logo se notam as meias 3/4 amontoadas sobre o calcanhar, a gravata torta pendente e a faixa suja enrolada na mão esquerda, como uma belíssima delinqüente juvenil. Com covinhas.

— Fico feliz. Você fica melhor fazendo o papel de burra, não de coitada.

Aaah, tá, entendi. Valeu.

Nós nos sentamos desconfortavelmente na grama atrás do arbusto e admiro a cor escarlate dos meus joelhos. Em poucos segundos, me perco em pensamentos. Meu estômago se remexe só de pensar em Luan. Me esforço para não demonstrar nenhuma sensação ruim, Lise não precisa e nem merece, depois de se preocupar tanto com minha auto-estima, ver qualquer sinal de fraqueza em meu rosto. Não sou digna de pena. E nunca vou ser.

Quem sabe, se eu repetir isso muitas vezes, posso passar a acreditar.

— Então foi isso que aconteceu – Lise solta, olhando para as folhas ao nosso lado e coçando a cabeça, desarrumando ainda mais seus cabelos compridos.

— Sim – respondo, suspirando e também olhando para as folhas – aquela maníaca ainda se deu ao trabalho de esperar até eu entrar no campo de visão para poder apreciar a cena.

Lise deu risada.

— Isso foi realmente baixo. Nem eu chegaria a um nível tão medíocre. Quer dizer, só as mais necessitadas precisam assediar um cara para conseguir um beijo e enfurecer alguém. Pena eu não estar por perto na hora, teria arrancado aquela parasita do meu irmão com tanta sutileza quanto se descola uma unha usando uma espátula de bolo.

Uma imagem terrível e dolorosa passa por minha cabeça e eu a empurro para um canto obscuro qualquer do meu cérebro. Por um instante fico em dúvida se conto para Lise sobre meu transe psicótico. Penso em Chantal sendo atirada contra a parede, lutando contra o vento que erguia suas roupas e atirava seus cabelos com violência contra seu rosto. Tudo isso enquanto eu, cheia de sensações novas e sentindo o coração ferver, clamava, desejava, louvava tudo aquilo. Agora, depois da raiva dissipada, me sinto desprezível. E muito satisfeita. Totalmente ambíguo e confuso. Então, voltamos à pergunta: eu fiz aquilo?

Mais ou menos nesse andar dos pensamentos, ouço ruídos do outro lado do arbusto. Sem aviso nenhum, Luan afasta alguns galhos e se faz surgir por trás da planta.

— PUT…! – solto um palavrão que não vale a pena ser descrito. Num movimento de autodefesa involuntário, viro meu rosto para a parede oposta, já sentindo todos os efeitos daquela visão inesperada: falta de ar, dores no estômago, um objeto não identificado na garganta e uma horrível pressão no peito. Não sei em que me concentro primeiro, se no meu coração – que parece querer saltar para a grama e fugir desesperado berrando por socorro – ou se em Lise, sempre com ótimos reflexos, que agora está empurrando Luan para fora do meu cantinho privativo.

— Lise, o que está fazendo aqui? – ele fala calmamente, respirando fundo, como se estivesse em busca de uma grande paciência divina.

— Me certificando de que você também não estará.

Silêncio. Luan bufa.

— Lune, eu preciso falar com você – Luan diz, mal conseguindo me ver, com a voz fraca.

Eu quero falar com você.

— Lune, por favor, será que podemos conversar?

Eu adoraria, é o que eu gostaria de responder. Porém, não posso olhar para Luan e movimentar minhas pregas vocais ao mesmo tempo, não agora. Alguma coisa, lá no fundo, me diz que não posso correr esse risco. A ânsia precisa se manter exatamente onde está. Precisa.

— Garanhão, cai na real, ela não vai falar com você agora – Lise diz, depois de ter o bom senso de esperar para ver se eu estaria de acordo com uma conversa.

— Lune, eu preciso saber como você está… fala comigo – o tom de Luan já era o de súplica. E a cada batida, meu coração doía mais só por não poder ajudá-lo.

Não posso olhar para ele, não posso.

— Qual é Luan, como você acha que ela está?

Obrigada, Lise. Essa é uma coisa que eu gostaria de saber.

— Tudo bem, Lune, você não quer conversar, mas pelo menos me ouça. Eu não tive nada a ver com isso, nunca iria provocar nada assim, eu juro…

— Eu sei.

Sim. Essa frase saiu de mim.

Finalmente encontrei forças o suficiente para falar, mesmo que com a voz melódica, como ocorreu com Lise logo que a encontrei. Mais uma vez me surpreendo com a harmonia dos sons que soltava pelos lábios.

De que forma consegui falar? Bastou não olhar para Luan de forma alguma e não pensar em nada. Mas acho que a maior responsável por esse avanço, foi o orgulho. Eu nunca, nunca poderia deixar qualquer vestígio de falsas interpretações. Luan não pode saber que toda a minha dor vem da simples imagem de seus lábios colados em outros que não os meus. O orgulho, inexplicavelmente, conseguiu transpor os obstáculos.

— Não pense nisso. Não estou assim por sua causa. Apenas estou cansada de ser vista por todos como uma espécie de brinquedo bobo.

Pausa para tomar fôlego.

— Prometo que assim que eu estiver melhor, converso com você.

— Mas…

— Eu vou ficar bem – o interrompo, nem um pouco gentil. Não por impaciência ou irritação. Apenas não sei quanto tempo vou conseguir manter minha voz controlada, sem aquele desconforto atravessado no pescoço.

Por algumas vezes, ouvi inícios de sílabas saindo de sua boca. Porém, nenhuma delas chegou a formar uma frase ou palavra sequer.

Lise, ao perceber meu indício de ponto final, se manifesta.

— Muito bem, a festa acabou, cai fora, bundão.

— O quê? Mas eu preciso falar com ela! – a voz volta à boca de Luan, que tenta retomar o tempo perdido. Ele parece muito confuso.

— Luan! Cai fora!

Agora, Lise parece irritada e, seu irmão, totalmente perdido. Ao mesmo tempo em que parece saber que a conversa acabou, não quer ir embora. Minha vontade sincera é olhar para ele, conversar, explicar tudo o que sinto. Abraçar. Saber o que ele está sentindo.

Luan.

— Lune, não foi minha culpa…

— Culpa? – o tom firme de Lise não permite vacilo. Ela se aproxima dele e fala baixo, com a voz meio rouca, aquelas que fazem a gente se sentir quinze centímetros mais baixo. De alguma forma, essa frase de Luan despertou seu espírito justiceiro.

— Culpa pelo quê? Por ter sido o maior bunda-mole que já inventaram? Que tipo de menininho indefeso você se tornou de repente?

O silêncio impera sobre o ambiente. Meus neurônios trabalham. Lise está falando sério? Ela realmente acha que Luan tem culpa?

Luan tem culpa?

— Você deixou uma ruiva necessitada sexualmente fazer o que queria com você porque acha tudo divertido e agora estão rindo de Lune por aí, isso você acha divertido? – ela continua ameaçadora. Seu irmão não consegue produzir nenhum som. Centenas de questionamentos brotam na minha cabeça.

Segundos depois, ouço passos na grama. Luan está voltando para a sala de aula. Um súbito desespero se instala. Não posso permitir que ele se afaste de mim desse jeito, cheio de incertezas. Não me controlo:

— Luan – me limito a deixá-lo ver o perfil de meu rosto, ainda que apenas por entre a abertura entre os galhos – obrigada por se importar e vir até aqui.

Um silêncio constrangedor se estende até que Lise perca de novo a paciência. Volto a olhar para a parede, mas, mesmo estando longe de poder ver o rosto de Luan, uma sensação reconfortante arrepia meus braços.

Ele quer ficar.

— Agora se manca, irmãozinho. E chame Nara, caso a vir, ela precisa assumir seu papel de melhor amiga. Estou ficando com enxaqueca por causa da frescura de vocês, prefiro a certeza de um murro bem dado no supercílio.

Senti ambos irem embora. Lise, furiosa, obviamente com seu estoque diário de boas ações esgotado.