quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Capítulo 37 ~ Ânsia

Como eu estou? Muito feliz.

O resto da noite simplesmente sumiu. A única coisa que eu fazia era ficar feito um zumbi olhando para o nada, recordando a sensação maravilhosa dos dedos de Luan circulando minha cintura, o calor vindo da sua pele, o cheiro aveludado da sua roupa, seu sorriso, seus olhos e seus longos cílios.

Os únicos momentos em que eu me esquecia dessas imagens era quando a irritação por Victoire voltava a me atormentar. Ou seja, toda vez que eu ouvia sua voz. “Lune, aceita um pouco disso, meu amor?”, “Lune, gostaria que eu te servisse um pouco mais de suco?”.

Maldição.

Eu sei, ela só estava enchendo meu saco e tentando ser agradável, se redimir pelo acontecido minutos antes. Tenho que levar isso em consideração.

Maldição.

“NÃO, Victoire, não quero mais suco”, eu respondia, sem nem me lembrar de agradecer a oferta. Timidamente, ela baixava a cabeça e voltava a procurar mais coisas pra me socar goela abaixo. E a pobre permaneceu o final de semana inteiro nessa árdua tarefa de me amansar. Lavou minhas roupas, meu acolchoado, tirou o pó das minhas prateleiras e limpou os vidros da minha porta. Consegui pará-la apenas quando a peguei no flagra tentando podar as rosas lindas da sacada.

“O que está fazendo com essa tesoura de jardim, Victoire?”, perguntei, tensa.

“Ah, eu só pensei em ajudar você com essas plantas”, ela respondeu, sorrindo.

“Aham, muito obrigada, mas essas plantas foram presentes de Nara e de várias amigas que já passaram por minha vida, é uma coisa muito especial pra mim, sabe? Inclusive, tenho muitas coisas assim, desse tipo, um monte, um monte mesmo, objetos, plantas, meu peixe, listas disso e eu gosto de cuidar delas eu mesma, saca? Em consideração às pessoas especiais que conheci. Você entende?”.

“Nossa, por Deus, eu não sabia! Me perdoe, é claro que eu entendo!”.

“Mas, muito, MUITO obrigada pela boa intenção! Você está sendo uma ótima pessoa para essa família”.

Os olhos dela brilharam.

“M-meu Deus, você me deixa muito feliz com isso, Luninha!”, Victoire termina, me abraçando forte, verdadeiramente feliz.

É claro que eu estava mentindo.

E, se me permite, tem que ser muito alienado para cair numa dessa. Quer dizer, “presentes de várias amigas que já passaram pela minha vida”? Eu? Qual é, que tipo de anormal acredita nisso? Olha bem pra minha cara. Pif.

Mesmo assim, decidi parar de perturbá-la depois de mandar essa blasfêmia gigantesca. Me ocorreu, em determinado momento, que eu teria que manter o controle para não enlouquecer, já que ela passaria o final de semana inteiro conosco (sim, soube da notícia sábado de manhã, quando a cidadã sem noção disse com um ar inocente: “vou cuidar da casa para vocês esse final de semana, em agradecimento ao seu pai pelo jantar. Pensei em começar a limpeza pelo seu quarto, você tem sido tão amorosa com a minha família, Luninha.”).

Pois é.

Mas, como sou uma pessoa de coração puro, decidi pegar leve por um tempo – grifem esse “por um tempo”. Ela é mesmo boa para meu pai, sabe, o cara está feliz como nunca. Acontece que só levo isso em consideração quando não estou cega por minha frustração pulsante. O troco dela ainda está por vir.

O que importa, no momento, é ver como Luan passou todo sábado e domingo mal conseguindo me olhar nos olhos. Parece que toda sua coragem para se aproximar de mim se esvaiu num único ato – que não deu certo.

Maldição.

Eu mal posso acreditar, nós estivemos tão perto, tão perto…

Claro, afinal, ele já estava com os dedos na minha cintura. Eu não posso ser cínica e burra ao ponto de dizer que não aconteceria nada de estupendo caso Victoire não tivesse aparecido.

Maldição.

Voltando ao ponto: não é loucura da minha cabeça. Ele realmente estava segurando minha cintura e certamente não faria isso se seu objetivo fosse só dizer: “então, tem uma meleca bem gorda no seu nariz”.

Não, com certeza não.

E isso só me leva a uma conclusão: ele ia me… beijar? (Se fosse mesmo uma conclusão, não seria uma pergunta. Acho que devo rever meus conceitos de certeza e incerteza. Dane-se). Continuando. Oh, meu Deus, santa esperança, tomara que sim. Por que Victoire teve que interromper? MALDIÇÃO.

Ah. É verdade. Ela teve que interromper porque se não o fizesse, seria meu pai, e aí estaríamos ferrados. Sim, verdade.

Mas, se ele ia me beijar… (sinto coisas estranhas quando penso nessa palavra) ele podia simplesmente ter tentado de novo.

O.k., a vergonha, blá-blá-blá.

Inevitavelmente, olho para o indivíduo do outro lado da sala de aula. Ele fica simplesmente lindo de uniforme. Camisa branca, os últimos botões abertos, a gravata vermelha frouxa em volta do pescoço e meio pendente para um lado. A calça, que deveria ser certinha, também está um pouco desleixada. O cabelo voltou ao pseudo-moicano de sempre, os olhos voltaram a ter aquele ar inocente de todos os dias. Parece óbvio que seus pensamentos estão voando longe. Espero que não estejam em um lugar mais longe do que o lado oposto desta sala. Ou seja, mais especificamente, onde eu estou.

Depois de tantos anos sem saber o que é sexo oposto, depois de tanto me acusarem de lésbica e coisas afins, estou apaixonada por um cara. Não consigo esconder o quanto isso me parece estranho.

Um cara. Estou apaixonada por um cara.

Bom, ainda bem que é um cara.

Nada contra quem não acha, sem crise.

A questão é: não estou acostumada com a situação. Tudo isso ainda é estranho, meio surreal. Eu, apaixonada, sonhando coisas babacas e totalmente sem noção como véus, grinaldas e uma linda casa afastada da cidade com um jardim estupendo, onde criaríamos nossos três filhos, um gato amarelo chamado Fromage e cães alegres e saltitantes chamados Petit e Gateau (o porquê de meus animais terem apenas nomes de alimentos é um mistério). Sim, eu cheguei ao ponto imaginário ridículo de nomear os animaizinhos que teremos. Tudo isso sendo que, até antes de Luan surgir, a única pessoa conhecida que tinha o trabalho de perder tempo fantasiando coisas assim era Nara. E eu ainda me dava ao luxo de rir da cara dela.

Pobre de mim, mera idiota apaixonada.

— Do que está rindo, Lune? – Nara vira e me pergunta, com uma expressão de “você é usou drogas?” estampada no rosto. Só aí percebo que eu não estava rindo em silêncio, como imaginava que estava.

É, é tudo tão irônico e eu sou tão burra que nem consigo rir de mim mesma sem tornar isso público. Grande, Lune, grande.

Nara ainda está infeliz com a minha pessoa e me sinto envergonhada demais para explicar o porquê do meu riso. Com esse humor todo, é capaz dela concordar caso eu dissesse que estava rindo por que me achava uma anta histórica.

— Nada não, uma coisa que vi na TV – disse, coçando o nariz.

Resposta infinitamente mais segura. Ponto pra mim.

Ela deu de ombros e continuou lendo o romance. Um grave problema: quando Nara não presta atenção na aula, é porque algo alarmante está acontecendo, algo do tipo: ela não está bem. Dane-se, Luan acaba de morrer no joguinho em que está brincando e ele fica fantástico quando está puto com seu Game Boy.

— Lune – Nara me chama e interrompe minha observação fanática.

— Hum? – respondo, sem dar importância.

— Acho que aquelas ali estão armando alguma coisa.

Essa informação nova consegue me distrair minimamente.

— “Aquelas ali”, quem? – respondo, ainda sem olhar.

Aquelas – ela indica com a cabeça Chantal e Nicole, franzindo a testa e finalmente conquistando minha inteira atenção.

A dupla está cochichando alguma coisa, lançando olhares sugestivos para Luan e Chantal parece meio frenética. Depois de algumas trocas de frases suspeitas, a ruiva obviamente falsa pára os olhos em mim e os desvia, pois descobre meus faróis amarelos acompanhando cada movimento seu.

Sem dúvida, estão tramando alguma coisa.

O que acha que pode ser? – sussurro para Nara, me sentindo num filme de 007.

Não faço a mínima idéia, mas seja o que for, a coisa é contigo e com seu Don Juan – ela me responde, voltando a ler o livro.

Ele não é “meu Don Juan” – respondo automaticamente.

Minta para a sua avó – Nara me responde, com uma careta, sem nem erguer os olhos do livro e eu me sinto tão interessante quanto uma mosca batendo num vidro.

O.k., talvez seja mentira mesmo – demonstro minha forma mais humilde.

Ela revira os olhos.

Que seja, a coisa é que, se eu fosse você, ficaria em alerta. Por mais difícil que isso seja, no seu caso – ela retruca, ainda sem se dar o trabalho de parar a leitura.

— Não gostei da cutucada, mas, afirmativo, me manterei a postos e em alerta, câmbio.
Ela apenas me olhou como se eu fosse psicologicamente afetada, balançou a cabeça e voltou às páginas. Gostaria de saber que bicho a mordeu.

Ao término da aula, Chantal é a primeira a se levantar. Ela vai até a porta e chama por sua amiga que, por sua vez, faz um sinal nada educado com o dedo do meio.

Hoho! Por essa ninguém esperava! Quase ri. Quer dizer, antes de Nara e eu nos encaramos sombriamente.

Espero minha amiga bonitinha terminar de arrumar seu material, como sempre, e saio tranquilamente da nossa classe, admirando os raios do Sol sobre a grama logo à frente. Não que o clima bizarro entre mim, Chantal, Nicole e Luan não fosse interessante, mas eu não estava muito disposta a estragar meu dia com qualquer bobagem da parte delas. O que elas poderiam fazer, colocar cola em minha bolsa e grudar chiclete em meu cabelo? Faça-me o favor. Seja lá o que for, o dia está bonito demais para que eu consiga me incomodar. Afinal, há algumas horas atrás, eu, eu, e não elas, tive Luan passando os dedos pela minha cintura. Cada vez que a lembrança de suas mãos tocando meu corpo volta, eu encho meu peito de euforia.

Foi por isso que, quando saí pela porta, demorei alguns segundos até perceber um cenário nada comum.

E eu estava muito feliz até esse momento.

Esse é um dos problemas da vida ter preparado coisas interessantes para você. Nem sempre “interessante” é sinônimo de “fantástico”.

Logo depois de pôr os pés fora da sala, me deparo com a paisagem linda de Chantal prensando Luan contra a parede, usando muito as coxas, fazendo um nó em sua gravata. Tudo bem, nada demais. O problema foi quando, assim que me viu, ela passou uma de suas mãos pelo pescoço de Luan e o puxou com força em direção… a sua própria boca.

Acho que ele não soube o que fazer por culpa da surpresa. Por uns bons segundos, a única coisa que Luan conseguiu foi ficar ali, recebendo um beijo. Permaneceu imóvel, de olhos abertos e sobrancelhas levantadas, enquanto sua boca era assediada por uma outra que agia de forma muito determinada.

Enquanto a mim, também levei alguns segundos para demonstrar qualquer reação. Fiquei paralisada, olhando, enquanto a voz pequenininha da minha razão me dizia que aquilo não era nada demais, só um beijo roubado que acabaria assim que Luan se desse conta do que estava acontecendo e recobrasse a lucidez. Porém, foi impossível evitar. Começou como uma pontada pequena, a pontada afiada que é o choque. Depois, aquilo que era apenas um incômodo pequeno no fundo do estômago, ou da minha mente, ou dos dois, foi crescendo… e, num piscar de olhos, a dor se avolumava e tomava conta de tudo. Minha respiração ficou ofegante, o peito subia e descia com força enquanto eu procurava um meio de trazer ar para meus pulmões da melhor forma possível. Logo percebi que as “pontadas” que eu sentia em meu corpo eram só a pulsação do meu coração.

De repente, tudo mudou. Minha visão mudou. A temperatura do meu corpo. Os sentimentos. E, ao mesmo tempo em que eu assistia aquela cena, minha atenção se dividia para o que estava se transformando aqui dentro. Perdi o controle quando, involuntariamente, eu me retorci, cruzando os braços ao redor da cintura, agarrando com força minha pele a ponto de senti-la se rompendo com a força das minhas unhas. Meu instinto acreditou que assim o desconforto diminuiria. Não funcionou e meus olhos se umedeceram.

Mas por quê? Não deveria ter dor nenhuma, não tinha que existir desconforto nenhum. Era apenas um beijo. Um beijo sem sentido, um beijo que não tinha importância.

Então, por quê?

Tudo foi muito rápido, mas para mim, cada milésimo de segundo eram minutos. Minha primeira vontade foi disparar na direção de Chantal para arrancá-la dali, nem que, para isso, fosse necessário arrancar sua pele. Porém, não pude, pois uma voz pequena em minha cabeça ordenou que não me aproximasse. No fundo, bem no fundo, eu entendia o porquê. Eu cometeria um erro gravíssimo se tocasse nela. Com certeza, um erro muito grande.

No entanto, era difícil conter os impulsos irracionais do meu corpo.

Eu conhecia essa sensação, eu já a tive muitos anos atrás, apesar de não poder me recordar quando. Agora, eu me recordo do descontrole, da queimação, da dor. A qualquer momento a água de meus olhos poderia cair.

Mas não caía.

Notei, num instante de maior consciência, que havia um desconforto crescendo em minha garganta, como uma espécie de ânsia. Achei que vomitaria, portanto, mantive minha boca firmemente travada. Era como se algo estivesse simplesmente entalado ali, atrapalhando a respiração.

Nada fazia sentido. Não faz sentido. Não tem por que doer assim.

“Tem”, a voz em minha cabeça insistia.

Não, não tem. Não tem.

Chantal prensou ainda mais seu corpo contra o de Luan.

Meus lábios começaram a se mover sem meu controle. Eu queria dizer aquilo, mas não pensei em fazê-lo. Na verdade, ainda quis, de qualquer forma, não abrir a boca, mas não consegui. Quando notei, uma melodia estranha se misturava à voz que eu tentava conter, provocando um som nada bonito.

Fique longe dele – o chiado saiu por meus lábios com tanta intensidade que a penugem do meu braço se ergueu. Sentia a raiva pulsar em meus olhos e, no momento seguinte, uma sensação muito estranha percorreu meu corpo. Parecia outra onda de arrepio, mas era como se meu sangue estivesse se transformando e expandindo para fora da pele, num fluxo estranho. Mas nada havia à minha volta senão o ar.

Depois disso, um vento furioso atravessou o pátio.

A violência do ar foi grande ao ponto de fazer Chantal perder o equilíbrio. A rajada atingiu com violência a lateral do seu corpo, forçando-a a tirar as mãos de Luan e agarrar-se à janela mais próxima. Foi aí que encontrei o olhar de Luan e minhas emoções mudaram. A raiva foi substituída pela velha dor. Minha visão ficou mais nítida e eu parei de tremer, saindo levemente do estado de transe.

“Saia daí”, a voz soou autoritária, não admitindo desobediências.

Sem questionar ou relutar, movi meus pés em passos tímidos, enquanto relutava em desviar os olhos de Luan. Eu tinha uma pequena noção do vento movendo os cabelos de Chantal em direção ao seu rosto, chicoteando-o por todas as direções, enquanto ela não sabia se protegia os olhos ou segurava a saia, insistindo em se erguer. Uma personalidade em mim se deliciou com isso, porém, eu consegui afastá-la.

“Corra”, a voz ordenou mais uma vez.

A última coisa que vi antes de disparar foi a expressão estranhamente amedrontada de Luan em minha direção.

Depois disso, corri o máximo que pude.

11 comentários:

  1. OMG
    nao sei nem o que comentar desse capitulo '0'
    a Chantal é uma bitch, bem feito pra ela u.u

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  2. Esse capítulo é muuito tenso! ASHDIUSA

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  3. eu fico imaginando em quem vc se inspirou pra cirar a Chantal... no colégio tinha algumas meninas assim, né?

    continue!

    beijos

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  4. Cara!! MUITO boom o cap.!! Amei a fdup -siim, fdup- no vento!! beem feito pra ela!! Cara, ta muito boa a historia ;D Estou oficialmente viciada ;D
    Quaando será que vc concegue postar mais??
    Esperando ansiosa aki
    Bjooos**

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  5. Ameiiiiiiiiiiiiiiiii *----* Eu viciei preciso de mais. *-*

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  6. Ta, simplismente amei a história. E antes de eu ficar doooida, quero continuaçaão D:

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  7. Amei o capítulo. Tá muito legal, vicia mesmo!

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  8. como assim? estou ficando louco D: quero mais, NOW.

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  9. Amei o capitulo.
    A história está tensa, to louca para ler mais...
    Ve se não demora a postar o restante, ok? :D
    To ficando viciada na historia

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  10. Ameiii a históriaa =))
    Quandoo tem mais ??

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