quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Capítulo 15 ~ Bicho do Mato

Como é bom se sentir livre um pouco não é? Pena que eu só consigo me sentir assim ao fim do dia, na minha varanda. Por quê? Sei lá. Acho que por ser um lugar alto e conseguir sentir o vento de um jeito bem bacana. É gostoso me debruçar sobre a grade da sacada, olhar para a rua ao lado, sentir a brisa morna do pôr-do-sol no rosto… sem comentar que só o fato de já ser sexta-feira me anima em muito.

Sempre gosto de vir aqui depois do meu banho, olhar a paisagem enquanto penteio o cabelo… uma cena bem romântica.

Quer dizer, nem tanto hoje.

Meu cabelo é enorme, sabe? Louro-platinado, fino, liso e dá um trabalho do caramba desembaraçar. Ele chega juntinho ao fim das costas, isso mesmo, quase na bunda. E considere que não sou tão baixa.

Agora, imagine: ele está molhado e seu condicionador estava no fim, portanto, você não pode usar o suficiente para todo o comprimento, tendo que aplicar o último suspiro do bendito apenas nas pontinhas. Logicamente, depois dessas constatações, você pensa em investir no seu bom creme para pentear, aquele que tem cheirinho de orquídea, mas descobre que também acabou e seu papai querido não fez compras, logo, a lista que continha seus produtos de sobrevivência, a lista que você preparou com todo o cuidado, não foi nem tocada.

E você está aí, na sua sacada linda, envolta de rosas cor-de-rosa pequenininhas, perfumadas, porém, não. Consegue. Pentear. O. Cabelo. De. Jeito. Nenhum.

— Ah, que droga! – berro, quando a porcaria da escova fica presa num nó realmente grande e faz ir pro espaço meu último resquício de paciência.

Me apoio derrotada sobre a sacada – com a escova ainda suspensa nos fios da minha nuca – bufando e olhando para o horizonte. O Sol já está quase indo por completo e o céu está todo num tom bonito de amarelo.

De longe avisto meu pai vindo de carro e já me animo. Eu gosto muito de ficar sozinha, mas a companhia dele me agrada, assim, no final do dia. Normalmente, nós comemos porcarias juntos, enquanto nos divertimos contando como foi o dia um do outro. É incrível, ele é muito divertido, de verdade. Consegue deixar a história de um simples dia chato de trabalho interessante, principalmente quando desata a falar mal da mulher que trabalha bem perto dele e fica mandando olhadelas suspeitas em sua direção. Ao que parece, ela é feia de doer, tem nove graus de miopia, é magra feito um pau e só usa roupa estampada com temas da selva. Eu quase me rasgo de rir quando ele fala dela.

Desço as escadas correndo para recebê-lo e reclamar pelas compras não feitas, mas, antes mesmo de chegar aos últimos degraus, derrapo com uma freada brusca e caio de bunda.

… A porta da frente, cheia de vidros coloridos foscos…

… Sombras de pessoas…

Isso não é bom.

AimeuDeusaimeuDeusaimeu

Tento correr de volta lá para cima, mas, como o destino me preparou surpresas interessantes, não dá tempo nem de me pôr em pé direito. Derrapo mais uma vez no tapete da escada e me agarro no corrimão exatamente na hora em que a porta abre.

Nada a se surpreender. Meu pai entra carregado de algumas sacolas. Como da outra vez, deve estar tentado se mostrar o pai prestativo e preocupado. Mesmo com essa mania doentia de trazer visitas sem avisar.

Bom, a cagada já está feita mesmo, certo? Por que me incomodar?

Certo.

Pelo menos foi o que pensei, tranquilamente, até Luan entrar pela porta.

Oh, não.

CagadacagadacagadaCAGADA!
Olhei desesperada para baixo e sinto dizer: minhas vestimentas, nas quais depositava toda expectativa restante, estavam piores do que o cabelo.

Maldito macacão, maldita coisa rosa com estampa da Barbie (velhas recordações de uma camiseta), maldito All Star rasgado e sola descolando.

Um uniforme imundo é melhor do que fantasia de fazendeira pop. Só faltaram o balde e a vaca.

Não tem jeito. Eu sou uma caipirona mesmo. Não, pior que isso. Eu ficaria feliz em ser caipira, se eu realmente fosse uma. Mas, não. Eu pareço uma e das mais falhas.

Papai pára no hall, enquanto as outras três pessoas se enfileiram ao seu lado. Oh, não, nem isso ele pode fazer por mim, ficar na porta para que outros não vejam meu estado miserável. Imediatamente disfarço a posição ingrata e finjo estar apenas arrumando a sola do tênis, mesmo que o tapete torto, amassado e desalinhado denuncie minha queda ridícula.

Olho para o rosto dos visitantes inoportunos. A moça, a mesma que me viu no outro dia vestida de abominável monstro de lama está… bem, parecendo achar graça. Luan está sorrindo divertidíssimo com a situação. E… a garotinha estúpida me olha com cara de desprezo.

Timidamente, e com certa (muita) dificuldade, desprendo a escova da minha nuca.

Anh… oi – digo, levantando a mão num gesto cômico. Meu pai foi o primeiro a falar.

— Lune… você teve uma briga com o ventilador ou algo assim? – todos acham graça da sua piadinha sem graça, mas ninguém ri, tirando Luan, que parece querer abafar uma risada.

Ah claro, se dobrem e riam da otária com cabelo-moita.

— Não – começo a responder sem graça – meu creme acabou.

— Luninha, amor, eu não disse que íamos ter visitas? Por que não se arrumou antes?

— Ah… disse? – retiro o que falei sobre a mania doentia.

— Disse.

— Ah, bem, você saberia se eu tivesse me lembrado.

Ele me olha e por fim solta uma risada gostosa. A moça também ri e Luan tem um ar estranho nos olhos. A menina continua com o olhar de desprezo.

— Bom… aqui está Victoire, que você já conhece, e seus filhos. Luan você já conheceu também, não filha? Vic me disse que estudam juntos e eu te perguntei ontem… e esta é Lise, a caçula – ela direciona um olhar de ódio para o meu pai. Talvez não goste do status de irmã mais nova.

— Bom, vou levar as compras pra cozinha. Faça companhia pro Luan, filha.

E saiu, seguido por Victoire – que oferecia ajuda – e Lise, simplesmente porque não tinha o que fazer.

Luan fica parado onde está. Me observando. E eu ali, analisando meu tênis, tento não me lembrar de que estou na presença dele. Tipo, imaginando outra coisa no lugar. Pena que nossa imaginação não é a mesma de quando tínhamos cinco anos de idade.

Finalmente crio coragem para encarar o problema. O cara parece estar achando tudo muito cômico… merda, ele não consegue deixar de ficar lindo por um único maldito segundo? Isso seria minha sanidade.

Eu não acredito que acabei de pensar nisso.

Levanto dos degraus da escada.

— Ah, bem, se não se importa eu vou lá para cima e…

— Acho que nossos pais vão se casar.

Engasgo com a minha própria saliva e ele corre para me ajudar.

— O-o que você – pausa para tosse – disse?

— Ah, desculpe ser tão direto assim – ele sorri abertamente, dando tapinhas nas minhas costas – mas eu creio que é isso que vai acontecer.

Arregalo os olhões para ele, que dá mais uma gargalhada.

Como assim. Meu pai? Se casar? Que tipo de maluquice é essa?

Merda.

Mas… eles podem se ajuntar, por que não? Quer dizer, não precisam exatamente casar.

Ah, meu Deus, qual a diferença?

Espera, estou me desesperando à toa. É, é isso. O cara acabou de falar um absurdo, ele nem deve ter motivos nenhum.

— Por que você diz isso, está querendo me assustar? – lanço a pergunta para Luan de uma forma agressiva e irracional. Ele ergue as sobrancelhas para mim, como se isso pudesse defendê-lo da minha ira. Ele parece estar tentando ler alguma coisa no meu rosto, mas eu não me importo. Esse indivíduo não pode chegar assim na minha casa e começar a mandar merdas assim na minha cara!

Então… por que ele não pára de me olhar como se a sua suposição fosse óbvia e não precisasse de explicações?

Não, não pode. Meu Deus, isso acabou de começar, não podem casar assim, de uma hora pra outra. Tem que namorar antes. Eu imaginei mesmo que meu pai estivesse se enrolando em alguém, a arrumação toda para ir trabalhar, os jantares que arranjava toda semana… estava sempre meio perdidão… os homens apaixonados sempre ficam meio sem saber para onde ir, sabe, babacas. Mas eu nem sabia de nada. Isso não deve estar acontecendo há muito tempo.

Na verdade, está sim. Para um cara que nunca vi se interessando por nenhuma mulher, nunca vi saindo com ninguém nem vi mencionar nada sobre isso… três meses pode ser bastante tempo. Pois essa palhaçada toda começou há uns três meses.

Aí, agora, meu pai vem trazer a moça de seus olhos para jantar aqui em casa, com os filhos dela – que, inclusive, um me causa formigamentos e a outra parece querer vomitar em mim.

Eu conheço meu pai. Ele não faria isso antes de ter certeza que gosta muito da pessoa.

De certa forma, é isso que me perturba mais.

Não, é demais para uma inocente garota como eu.

Despenco nos degraus da escada.

Luan me olha com interesse. E eu olho para o nada com interesse. Minha incredulidade devia estar estampada na minha testa, pois ele sustentava uma expressão penalizada e confusa.

— Tem ciúmes do seu pai? – o cara de covinhas perfeitas pergunta e eu não tenho uma resposta. Quer dizer, eu gosto tanto do meu pai que talvez tenha me acostumado com a presença dele só pra mim. Sabe, sem mais ninguém, assistindo filmes, conversando, comendo batatas-fritas, apreciando os maravilhosos chocolates belgas ou tomando sorvete… mas… outra mulher? Dividindo tudo isso? Nunca pensei em algo assim.

— Não, é só que… ah – tento falar, mas escuto as vozes animadas na cozinha. Levanto assustada. Eu não deveria estar aqui ainda. Não posso deixar que me vejam assim de novo, principalmente com a cara de idiota agora estampada. Me viro para Luan e não penso mais vezes antes de agarrar seu pulso e puxar escada acima. Na verdade, seria mais adequado dizer que não penso antes de agarrar seu pulso e puxar escada acima. Subi quase aos tropeços, lembrando na metade do caminho que deixei a escova lá em baixo e não peguei nada que pudesse me ajudar a pentear o cabelo. Voltei quase rolando para procurar qualquer coisa que pudesse salvar minha situação. A estas alturas, até óleo de cozinha serviria.

Por sorte, tinha o creme.

Mas deixei a escova lá. Ah, isso não importa.

Alcancei Luan e passei correndo, com ele ao meu calço.

Não sei o que papai acharia de um garoto no meu quarto, nunca cheguei perto de ter um lá, mas não me interessa, estou em estado de nervos. Meu pai, casar? Esquece.

Ao topo da escada, atravesso correndo a pequena sala com a TV e enfim chegamos à porta do meu quarto. Só depois de puxar Luan para dentro é que me lembro das toalhas molhadas espalhadas, mas não é hora pra isso. Ele passa os olhos pelo aposento, enquanto vago sem rumo.

— Ai meu Deus. É verdade – digo sem pensar.

— O que é verdade? – ele diz calmamente, com um ar feliz, parando em frente à penteadeira. Então, pega alguma coisa e joga. Seguro o objeto vindo na direção do meu nariz e pisco devagar. Estou atordoada o suficiente para não me dar conta de que peguei um objeto em pleno ar. Eu nunca tive coordenação o bastante para isso.

— Eles vão se casar – falo, mais para mim mesma do que para ele, observando a nova escova de cabelo em minhas mãos. Despejo um pouco de creme na palma e passo nos fios emaranhados, pensando no meu pai e sua futura esposa conversando amigavelmente sobre uma escova de cabelo esquecida na escada pelo penteado Papai Noel na primeira páscoa em família.

— É o que tudo indica. Seremos irmãos – ele diz. Eu surto com a idéia.

Estou me sentindo meio idiota. Ah, esquece. Levanto e vou para a porta da varanda pensativa, ainda escovando os cabelos. A brisa agora está gelada, mas mesmo assim não saio da frente dela. Ouço Luan se levantar e parar atrás de mim.

— Você não me respondeu. Sente ciúmes ou não?

— Não – digo convicta e quase posso sentir seu sorriso atrás de mim. Desisto – tá, eu só não me sinto confortável com outra mulher por perto… não tenho mãe, sabe… – vou perdendo a força na fala e ele abre o resto da porta de correr. Encostando-se com o ombro nela, também observa o céu escurecido.

— O que aconteceu com ela?

Eu, que estava distraída encarando a pouca luminosidade sobre a copa das árvores, não dou importância para o fato de mal conhecê-lo. Ali, naquele momento, seu calor perto de mim era confortável. E familiar. Como uma antiga recordação esquecida há muito, muito tempo.

— Sumiu.

Fez-se um período de silêncio até ele falar de novo.

— Sumiu, tipo, abandonou?

Eu, de um jeito meio fraco, só consigo sinalizar a resposta afirmativa balançando a cabeça. Como ela me incomoda, como aquela mulher me incomoda. Por que fez isso? Um dia eu vou te encontrar e você vai pagar

— Lune? – a voz de Luan soa grave perto dos meus ouvidos e eu pisco, confusa – tudo bem?

Eu olho para ele sem compreender e sem me lembrar de meus pensamentos.

— É, vivemos tanto tempo sozinhos que me acostumei com toda a atenção dele – concluo minha explicação, voltando a pentear os cabelos. Ele pareceu meio atordoado, sabe-se lá por que.

— Acho que eu entendo – diz, por fim, ainda me encarando com uma sobrancelha mais alta que a outra e eu, suspirando, falo para o tapete:

— Bom, mas quero que ele seja feliz.

— É isso que importa – meu futuro-meio irmão conclui e me lança um sorriso reconfortante. Foi meio inconsciente, mas eu sorri também. É engraçado como me sinto confortável perto dele. Quer dizer, eu o conheci faz menos de uma semana. É engraçado.

Uma brisa mais gelada ainda bate sobre meu rosto e eu estremeço um pouco. Luan, então, sai da sua posição confortável, me puxa para dentro pela parte de trás do meu macacão e fecha a porta.

Isso foi meio fofo, se quer mesmo saber.

— Espero você lá fora – e sai, olhando pela última vez meu cabelo ainda em formato de guarda-chuva.

Depois de conseguir desembaraçar tudo e colocar uma roupa cuidadosamente planejada – apenas um jeans, uma blusa de lã larga caída num dos ombros e um All Star menos despedaçado –caminho em direção à porta, sem nem olhar o espelho. Coisa de que me arrependi mais tarde. Não muito mais tarde, na verdade. Foi assim que botei o pé no corredor e dei de cara com o cidadão esperando educadamente ao lado da porta.

Ah droga, esqueci!

Bom eu não poderia adivinhar. Eu não preciso me olhar no espelho. Eu sou sempre a mesma coisa. Sempre a mesma cara, o mesmo cabelo e o mesmo tudo. Por que eu perderia tempo admirando minha imagem enquanto tem um cara fantástico me esperando logo ali?

Acho que, depois de hoje, vou começar a pensar mais sobre a utilização do tal objeto.

Luan assume uma expressão estranha no rosto e eu tremo da cabeça aos pés.

— Meu car… – palavra inapropriada – isso é sua orelha?

5 comentários:

  1. então..
    depois de milhões de anos e alguns dinossáuros mortos, eisme aqui pra agradece seu post. hehehe..
    bixa ameeeei o seu blog.. putz pq eu só consigo por uma bosta d tomate atropelado?!
    spkoaksaposkaps..

    sério mesmo, teu blog eh lindo, e vlw por me seguir.. ^^

    beijo grande e quando quiser aparecer, sinta-se em casa :D

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  2. adorei esse fim de capítulo. lembro que fiquei mó tensa pela Lune quando acabei de ler AHUISDHA

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Pkee todo escritor bom gosta de torturar seus fãs?
    EU QUERO MAIS LUNE!!!! [e Luan tmbm]

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