domingo, 8 de novembro de 2009

Capítulo 11 ~ Borboletas

Como pode um colar dar choque?

Isso é estranho demais.

Quanto mais eu penso, mais transtornada fico. Não são só choques e tonturas. Mas também formigamentos, a forma como fiquei quando o vi pela primeira vez… minhas mãos, mesmo depois de soltá-lo, ainda formigam na palma.

Qual é, eu não sou idiota, consigo perceber que tudo isso tem alguma ligação com Luan. Sempre, em todos os momentos em que ele está perto, alguma parte do meu corpo formiga, seja o peito, sejam os braços, as mãos e até… os pés (pensaram outra coisa?).

Das primeiras vezes os efeitos pareciam mais fortes. Por exemplo, o choque que senti pouco antes de desmaiar pareceu muito mais forte do que o de agora. Claro, eu posso ter desmaiado pela pancada, mas não falo sobre o desmaio. Falo da sensação.

O que será isso? Vidro? Nunca ao menos parei para pensar sobre este colar… pode um vidro dar choque? Acho que não, vai saber… com toda a coisa dos átomos, nunca se sabe. Mas eu nunca me machuquei numa janela, pelo menos.

Talvez não seja vidro.

É pesadinho… e é resistente. Todo mundo sabe, vidro é um material meio vagabundo, sem contar que lasca por nada. Agora, analisando assim de perto, essa coisa não chega a ter um mísero risco.

E se for… algum tipo de cristal?

Poderia, não poderia?

Que eu saiba, Cristal também risca. Ou existe algum tipo de Cristal poderoso “inrriscável”? (Eu sei, foi um neologismo horroroso).

Lembro das palavras da minha avó, ao me entregar essa jóia. "Tome isso e cuide, pois ele servirá para que não se esqueça de toda sua vida aqui e, mais tarde, lhe ajude a descobrir quem você é. Se você não me esquecer, em algum lugar nós ainda estaremos unidas”. Me envergonho em saber que só venho a pensar nisso depois de tantos anos. Cinco até quase dezessete. Um período longo, não?

“Quem sabe não estivesse madura o bastante pra pensar”.

É. Quem sabe.

O pior é que passo a tarde toda refletindo sobre essa fatia profunda da minha vida. A tarde e também parte da noite, afinal, sobre o que mais as pessoas pensam enquanto caminham sozinhas, por um trajeto desabitado e praticamente sem iluminação? Na vida. Meio frustrante que, no fim, minha única conclusão é: ou o colar não é normal, ou eu não sou normal (jura?) ou o anormal é ele, Luan.

Coisa que eu já sabia desde o começo.

Hum… talvez eu devesse ter aceitado a carona oferecida pela mãe de Nara. Está meio assustador aqui. Fui visitar minha doce amiga após a aula e demorei demais. Mas, vamos lá Lune, aja como a garota corajosa e otimista que é. Este é um momento perfeito para refletir, ter paz consigo mesma… há algumas estrelas no céu, a Lua está linda, tudo meio escuro, silencioso…

Que dá medo, dá.

Certo, quem estou tentando enganar, já disse que sou covarde.

Mas, tenho que aprender a controlar meus nervos, como já dizia Bela, para Fera. Uma coisa que minha avozinha estava sempre falando nos tempos felizes da minha infância, é: o medo só atrai o medo. Inclusive ela era cheia dessas frases reflexivas. Sempre me dizendo para enfrentar as dificuldades, que fugir e se acovardar não é dignidade de espírito, que a coragem é apenas o medo suprimido e blá-blá-blá. Pelo amor de Deus, eu tinha cinco anos. Se não menos (não tenho culpa, não lembro ao certo quanto tempo fiquei por lá).

Bom, se eu consigo lembrar disso até agora, algum efeito teve. Não é que a velha era mesmo surpreendente?

Agora… acho que estou me lembrando de alguma coisa… mas uma guerra? Ah! Não, era um sonho, esquece. Eu estava tendo algum pesadelo realmente ruim. Algo a ver com uma guerra e pessoas caídas por todo o lado… – credo, que visão horrorosa – eu acordo gritando, e então…

Espera.

Borboletas?

Paro no meio da calçada e cerro os olhos, pesquisando nos arquivos mais profundos do meu cérebro, fazendo esforço para ver melhor. Com a lembrança estranha até perdi a linha de concentração. Uma lembrança frágil. Não posso perder isso, não posso deixar essa lembrança cair. Se ela cair, se espatifa como uma taça de cristal (desculpe pela metáfora nada criativa). Vamos, Lune, concentre-se.

A janela aberta… cortinas voando… sons de passos apressados… provavelmente da minha avó. Enquanto isso… borboletas? Sim, tinha borboletas. Mas estava escuro, como eu poderia vê-las tão nitidamente? Mal podia identificar o resto do lugar, a não ser que…

Elas brilhassem.

Que absurdo, borboletas não brilham.

Continuo relutante minha caminhada, ainda enfiada dentro das tais memórias.

Sim, não há dúvidas, eram borboletas! E, mesmo sabendo que não brilham, na minha cabeça estão brilhando claramente, coloridas e ligeiras, deixando um rastro sutil de luz. E eu não parecia me admirar com elas.

Como pude esquecer?

— Ah, o que é isso agora!?

Primeiro é choque e agora essa porcaria de cristal/vidro/sei-lá-o-quê decide ficar mais pesado? Tudo bem, já não é exatamente leve, mas nada como isso! Não vem não, eu senti aumentar o peso sim, exatamente na hora em que ouvi algum barulho, logo ali atrás daqueles arbustos…

Acho que estou ficando cada dia mais neurótica.

Ergo a cabeça, procurando algo entre os jardins ou qualquer outro ruído, mas a única coisa que ouço são os latidos distantes e enfurecidos de Roget, o cachorro da minha vizinha estranha.

Essa é boa, agora, além de um forte grau de neurose e um colar possuído, ainda tenho que ficar ouvindo ruídos suspeitos por aí.

Estou desesperada!

Não. Calma. Ouça as palavras da velha sábia. O medo só atrai o medo. Calma Lune, está precisando de um psicólogo. Dêem um psicólogo para Lune!

Deve ser só um gato.

Não, não, eu tenho que me certificar de alguma coisa, mas o que é, o que é…

“A Lua”.

Olho para o céu.

Uma nuvem imensa está se aproximando, preguiçosa, da Lua Cheia.

NÃO!

Mais uma vez no dia, corri desesperadamente, corri sem pensar e sem olhar para trás. Meu coração palpita puro medo e minha testa está pingando. Avisto minha casa se aproximando e olho novamente para a nuvem, agora começando a cobrir a pontinha da Lua. Uma onda de terror ainda mais intensa gela meu sangue e, com meus últimos fios de fôlego, acelero ainda mais. Não faço idéia da minha velocidade, mas lágrimas escorrem pelo meu rosto, por causa do vento frio. Meu peito dá saltos de felicidade quando entro feito um tufão pela porta e desmonto no assoalho do hall, sorvendo quantidades extensas de ar para suprir a sede dos pulmões.

Amém, estou em casa.

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