domingo, 16 de maio de 2010

Capítulo 33 ~ Uma Pergunta

Bom, é isso. Acabei de levar uma lavada de corpo e alma. Se Nara tivesse chegado com um rifle e me dado um tiro no meio do cérebro, a sensação teria sido melhor – é, não faz sentido, se ela tivesse me dado um tiro assim eu não teria tempo de ter sensação nenhuma. Ignorem.

Do que eu estou reclamando, a final de contas? É pra isso que as melhores amigas servem, certo? É imbecil pensar que os amigos servem só para passar a mão na sua cabeça e te emprestar meias. Se o fizessem, estariam sendo neutros e inertes, coisa que um amigo não pode ser. Ele não estaria colaborando para o seu próprio crescimento pessoal.

Mas, deixe eu tentar justificar. O que ocorre é que, em toda a minha vida, eu nunca precisei levar uma desmoralização dessas de alguém. Claro, papai brigou comigo quando, lá pelos meus inocentes sete anos de idade, voltei para casa com um passarinho morto nas mãos. Quer dizer, isso foi o que ele achou, porque logo depois ele acordou e voou muito bem. Também brigaram comigo quando eu quis subir numa árvore alta na escola, já que, pelo que eu dizia, queria "sentir o vento mais de perto". Ah! Papai quase me matou ano passado quando eu me atirei sem dó na frente de uma bicicleta em alta velocidade. É, bom, o que eu poderia fazer? Ela ia passar direto por cima daquele gatinho, ele ia morrer, enquanto eu só fiquei com um hematoma na perna. O.k., hematoma enorme e muito preto, mas quem liga? Grande coisa.

O fato é que, uma bronca como essa, como a de Nara, eu nunca levei. Muito menos uma bronca por temperamento. Bem, eu nunca me apaixonei, logo, nunca tive dor-de-cotovelo, ciúmes, inveja, ou qualquer coisa. Na verdade, eu nunca tive nada. Para mim, é como se eu tivesse dormido por todos esses anos. Uma morta-viva, nada muito além disso. Mas, eu tenho percebido… de alguns tempos pra cá eu me sinto… como posso dizer? Como se estivesse regredindo.

Antigamente as pessoas comentavam o quanto eu era madura para a minha idade. Eu não achava isso, porque, como eu disse, eu não achava nada. Na minha "festa" de quinze anos, minha tia Madelaine disse – para meu pai, claro – que ela duvidava que eu tivesse mesmo a idade que estava completando. Disse que, talvez, minha querida mamãe tivesse mentido para ele e era para ele tomar cuidado. "Cuidado por quê?", você me pergunta. Cuidado porque eu poderia não ser filha dele.

Tia Madelaine é uma senhora perturbada, mora sozinha na França, nunca casou. Suspeito que ainda seja virgem. De qualquer forma, papai – que já não se esforçava para manter contato – agora não faz a mínima questão. Não que eu garanta que sou mesmo filha biológica dele, nem ele faz isso. Simplesmente não nos interessa saber. Não sei nem como ele não a botou para fora de casa naquele exato instante.

E aqui estou eu, a famosa "moça com idade de menina", sentada numa fonte velha e cheia de musgos, ainda pensando na surra verbal que levei, apenas por um motivo: tentar prolongar ao máximo a hora de voltar para dentro.

Ah. Bom. Minha melhor amiga, aquela que eu sempre defendia e aconselhava a ser mais forte e a enfrentar as outras pessoas, está me dando lições de moral. O que eu posso fazer?
Aceitar que está certa, subir as escadas e obedecer, o.k.

Se Luan quiser trepar com suas amigas na minha sala de estar, dane-se (claro, claro, até parece). Ele decide sobre sua própria vida. O que eu sei é que vou subir aquelas escadas, vestir aquele vestido e me fazer de desinteressada. Fingir total e absoluto desinteresse.

— Aonde vai? – ele me pergunta, quando atravesso a sala. Paro e giro meu corpo em sua direção, como se não compreendesse muito bem sua língua.

— Subir – eu disse, colocando uma das mãos na cintura e fazendo o jogo de eu-não-preciso-de-você – temos compromisso, não se lembra?

Várias meninas olharam para mim e eu noto como algumas têm uma maquiagem linda ao redor dos olhos. Seria bom se pudesse pedir conselhos a alguma delas, porque, por Deus, vou precisar de muita ajuda com o rímel.

Bom, enfim, elas olharam para mim simplesmente porque se assustaram com a minha situação de compromisso com Luan. Quer dizer, se assustaram não, no mínimo ficaram mordidas mesmo, borbulhando de ódio. Muito, muito diferente do que eu estava pensando sobre pedir conselhos. Aí está o contraste. Por que eu sempre tenho que ser a boazinha? Eu poderia, pela primeira vez, ser cruel em uma situação diferente da de sempre: defender Nara.

Eu não preciso mais mostrar que me importo. Acho que está na hora de deixar claro as regras do jogo.

Uh, me senti perigosa agora.

— Tinha me esquecido – ele respondeu com a voz morrendo, sem tirar os olhos de mim. Com muita naturalidade, olhei delas (as meninas) para minhas unhas e disse com um sorriso divertido:

— Se não perdesse tanto seu tempo, quem sabe pensaria em coisas mais importantes, como o jantar de hoje à noite. Mas – ergo os olhos para ele, com uma insinuação óbvia e um sorriso parecido com os que aparecem no rosto de Lise freqüentemente – você é quem sabe.

Para minha surpresa, após alguns segundos de confusão, ele riu.

A mesma risada encantadora de sempre.

Uma satisfação inoportuna cresceu em algum lugar. Não era apenas a satisfação em ver que, no fundo, nada mudou, que ele ainda se sente bem comigo, ele se importa. Além disso, era a sensação boa de saber que aquele sorriso era para mim. Aquele olhar divertido, era por minha causa.
Meu objetivo ao dizer o que disse não era atingi-lo, mas sim atingir as cinco garotinhas que se apossaram da minha sala. Inclusive, uma delas está sobre a cadeira de leitura do meu pai e isso é imperdoável. Contudo, um suspiro quente de felicidade encheu meu peito e, para disfarçar minhas bochechas cor-de-rosa, andei rápido, retomando o caminho inicial.

Enquanto subia as escadas, pulando, ouvi uma a uma pegarem suas coisas no intuito de caírem fora. Elas mal haviam chegado até a porta quando uma mão se fechou gentilmente ao redor do meu braço. Parei os pulos no susto e fiz menção de virar o rosto, porém, antes de conseguir, a voz de Luan chegou rouca aos meus ouvidos.

— Precisamos conversar sobre você e seus modos.

Notei que ele estava sorrindo. Não consegui evitar um leve sorriso também.

— Acha mesmo?

Me desvencilhei suavemente da sua mão e fui para o quarto, vitoriosa. Saio de lá apenas três horas depois.

— Santo Deus… – diz meu pai, acho que tentando me elogiar – o divino realmente caprichou contigo, hein, filha?

Eu viro um pouco a cabeça – depois percebendo que foi igual a um cãozinho confuso. Penso se seria o caso de dizer para meu pai que o que ele disse não é assim… digamos… encantador. Quer dizer, ele é meu pai. Mas achei melhor deixar passar, a intenção foi boa.

De fato, depois que eu coloquei meus "grampinhos" e meu cabelo começou a secar escondendo minhas saliências pavorosas – mais conhecidas como orelhas – comecei a gostar muito da imagem que eu via no espelho. Claro que o vestido ajuda, pela graciosidade, essa coisa toda, e parece óbvio que não foi meu pai quem o escolheu. Tem um dedinho de Victoire nisso – ou eu poderia dizer uma mão inteira? Papai nunca me compraria um vestido com o busto tipo coração (ele nem sabe que eu tenho seios) muito menos um acima do joelho. E, como se isso não bastasse, os brilhinhos denunciam a minha futura madrasta, tipo, totalmente.

Mas eu gostei, sabe, a cor é bonita, eu adoro cinza. Ou seria cor gelo? Gelo tem cor?

E, é incrível, mas eu estou mesmo me sentindo "leve e perfumada como uma flor caindo de sua árvore". Era o que dizia na embalagem de toda a parafernália de produtos para banho que joguei dentro da banheira – que, inclusive, nunca se sentiu tão útil.

Corrigindo: depois de uns 25 minutos tentando descobrir como eu deveria usar todas aquelas coisas, ela nunca se sentiu tão útil.

O.k., tá certo, era só abrir e jogar lá dentro. Mas a quantidade? A eficiência? Para que servia, a final de contas? Para mim, era só um monte de pedrinhas, bolinhas, pétalas secas. Na dúvida joguei o negócio todo, rezando para que não saísse fedendo a lavanda. A coisa da espuma também foi um problema, porque, cara, olha só a idéia brilhante: uma bola esquisita e dura, com o que pareciam ser minúsculos pedaços de sabonete roxo e lilás. Isso fazia a espuma. E tinha que jogar lá dentro.

Bom, eu joguei.

E depois me danei pra caçar ela de novo, antes que inundasse meu banheiro. Começou a subir espuma em cima de mim de tal forma que quase sufoquei. Então, você imagina a cena, eu, com a espuma até o pescoço, tentando encontrar uma maldita bolinha escorregadia enquanto lutava para esticar o pescoço o suficiente para respirar.

Será que não dava mesmo pra continuar com o tradicional mililitro?

Mas a espuma não derramou. Não foi dessa vez que você pôde rir de mim dessa forma.

E agora você me pergunta, como o bom leitor que é: por que eu teria tudo isso, se não sei usar? Bom, na verdade, eu ganhei essas coisas – assim como muitas outras do tipo – no mesmo fatídico aniversário de quinze anos. Eu tenho cinco tias, sabe? E vários primos. Sinceramente, lembro o nome de menos da metade deles. A hora em que ganhei esse monte de produtos, eu achei que a mulher tinha uma terrível falta de criatividade. Me admira que inda esteja dentro da validade (sim, está, eu verifiquei).

Fale a verdade, que tipo de garota quer ganhar pedrinhas e sabonetinhos em seu aniversário de quinze anos? Eu lembro que queria pantufas. Ou uma viagem para um Safari, na África do Sul.

Tá, eu sei que a maioria de vocês não concorda quanto ao Safari.

Que seja, de qualquer forma, eu realmente estou me sentindo "leve e perfumada como…".
Essa parte vocês já sabem.

— Está pronta, certo? – meu pai pergunta enquanto pega as chaves do carro – Se você ainda não estiver, vou amarrar você, porque é impossível ficar mais gata do que já está.

Otto, eu devo mesmo lembrar você de que você é meu pai?

Dou uma última olhada no espelho da sala de jantar e vou para o carro. Assim que sento, me arrependo de não ter tirado uma foto para Nara ver como eu a obedeci. Se bem que, nem sei se ela gostaria de ver. Sei lá, ela estava tão chateada. O meu medo é que eu tenha mesmo feito algo, porque se eu fiz, sou uma pessoa ainda pior por não saber o que foi.

Entenda o meu drama.

A única imagem que fica na minha cabeça é ela observando Phil ir embora.

Será que ela…? Não, ela não poderia estar apaixonada por ele.

"Você não sabe a sorte que tem Lune".

Ah, esquece. É melhor eu parar de tentar fazer trabalho de gente. Se eu começar a pensar muito, daqui a pouquinho vou estar embolando tudo e aí vocês já sabem. O melhor que tenho a fazer é esperar. Amanhã converso com ela, simples.

Além disso, nós chegamos.

Olho para a casa de estilo clássico com admiração, imaginando como uma mulher que sustenta sozinha os filhos consegue manter um lugar tão lindo. Bom, pensando um pouquinho melhor, uma mulher assim, nessas ótimas condições, unida ao meu pai, que ganha o suficiente para a nossa casa enorme… bom. No mínimo terei um jardim pronto e fantástico.

Até me animei.

— Minha flor, é melhor você levantar, já, já Vic está vindo aí – papai diz, desligando o motor e abrindo a porta para ir buscar nosso futuro complemento de família. Eu abro a porta distraída e, antes de chegar a levantar a bunda, uma coisa interessantíssima chama minha atenção.

A porta da bela varanda estava se abrindo e de dentro dela saía uma criatura de preto.

Uma criatura de preto que parecia terrivelmente, mortalmente, encantadora.

Assim que ela me viu, fez um sorriso enorme aparecer em seu rosto.

Para mim, esse sorriso foi como, tipo, uma dose de morfina quando se está sentindo muita dor. Imediatamente, meu peito relaxou, meus olhos caíram e um espelho da expressão dele cresceu no meu rosto.

Eu me sentia péssima por não conseguir controlar meus músculos. Não importava o quanto ele estivesse se aproximando e o quanto pudesse achar minha cara de abobada total estranha. Os meus lábios continuavam os mesmos.

Eu sou como uma marionete. Eu não consigo não sorrir enquanto ele está sorrindo, é como se houvessem fios invisíveis nos ligando.

— Oi, Lune – ela pára ao lado da minha porta, com aquele ar de menino alegre que eu adoro, demais, mais que tudo.

— Oi, Luan – eu me desmancho através da janela do carro e ele solta uma leve gargalhada por causa do meu cumprimento patético.

Sim, sem contar o sorriso patético.

Não me culpe. Você não tem noção do quê está parado aqui nesse exato instante.

Eu me sinto uma retardada completa. E o pior, eu estou feliz com isso.

Ah, agora sim colega. Quero ver qual garota tem a coragem de dizer que eu não tenho razão. Simplesmente visualize: Luan, o cara dono do sorriso perfeito – e das covinhas perfeitas – o está direcionando para você. Ele está vestindo todo o seu um metro e oitenta e três (vi a ficha dele na Educação Física) com um terno preto, uma camisa preta e uma gravata preta lustrosa. Isso tudo enquanto você pensa qual a forma mais rápida de se matar dentro de um carro, sem deixar que ele perceba.

E olha que eu ainda nem comentei sobre o cabelo, que hoje não está com a tradicional elevação no meio. Está totalmente molhado e bagunçado, com algumas mechinhas caídas na testa.

Eu quero mesmo me abanar.

— Você está com um cheiro diferente – ele comenta, abrindo mais minha porta – parece lavanda.

— É lavanda. E é "diferente" no sentido de ruim ou de bom?

— Nada a reclamar, combina com você.

Esquece ele. Desvia os olhos, Lune.

Pronto, já me sinto melhor. O painel do carro é bem, bem mais interessante, sabe. E tem luzinhas. Luan não tem luzinhas. Nem ar condicionado.

Pensando bem, seria útil se Luan tivesse ar condicionado.

— Lune! – Victoire me chama antes mesmo de chegar ao carro, com o jeito exagerado de sempre. Ela acena os braços para mim, parecendo não se importar se isso é ou não elegante.

Fazendo um tremendo esforço para ignorar Luan bem ao meu lado, eu levanto do banco e piso pela primeira vez na calçada. Assim quem o faço, Victoire parece entrar numa espécie de transe. O braço, que estava a meio caminho de ser abaixado, pára onde está e seu olhar se fixa de tal forma em mim que chego ao ponto de ficar vermelha. Olho para baixo, a fim de ver se há algo errado comigo.

Passo a mão no cabelo.

Meu pai precisou chamá-la três vezes até ela reviver.

— Oh, meu Deus, Lune! – ela suspira – Eu já achava você maravilhosa, mas olhe isso!

— Olhe isso o que? – pergunto, deixando aparecer bem o meu tom assustado.

Não que isso já não fosse bem óbvio pelos olhos arregalados.

— Você está perfeita!

— Ah! – eu sorrio, contente por não haver nada de errado – Obrigada.

— Estou se palavras, meus olhos enchem de água só de olhar – ela disse, realmente com os olhos brilhando.

Acho que ela está começando a exagerar. Só um pouquinho. Sabe como é.

— Queria tanto, tanto que a minha Lise ficasse assim. Mas ela tem que estar sempre de preto. Comprei um vestidinho tão lindo, verdinho… mas não teve jeito.

— Qual é, Marie. Fala sério, "verdinho"? Por que você tem aversão a preto? – Lise diz, agora aparecendo por trás de sua mãe. O vestido dela é bem o que eu chamaria de "não convencional". Um dos seus ombros está à mostra e ela tem uma fita negra no pescoço.

E… bom, ela está de coturno.

— "Qual é", Lise, olhe para a sua roupa, você está indo para um restaurante de alto nível, filha, não para uma lanchonete de alto nível. E, custa mesmo me chamar de mãe?

Lise revirou os olhos e sorriu, entrando no carro.

— Mesmo que eu quisesse, Marie, eu não poderia usar o seu verdinho hoje. Estou de luto.

— Luto é, maninha? – Luan descobre que tem voz, entrando logo atrás dela e eu dou a volta, para não me sentar ao seu lado – Por acaso matou alguém com algum suco envenenado ultimamente?

— Nem brinque Luan, você pode dar idéias a ela – Victoire diz, parecendo sinceramente preocupada – e, Lise, para você, meu nome é mãe.

Nós três demos risada no banco de trás e eu começo a me desesperar quando Luan ri com os olhos grudados em mim.

Isso é terrível, terrivelmente lindo, meu Deus!

Atravessamos a cidade até chegar ao bendito restaurante.

— Bem vindos – um rapaz jovem nos cumprimenta e, antes que eu pudesse pensar em abrir a porta, ela se escancara e uma mão gentil se estende em minha frente. Levo alguns segundos para me acostumar com toda essa atenção. Noto que o mesmo está acontecendo do lado oposto e assisto o outro cara ajudar Victoire a descer, como um verdadeiro cavalheiro.

É uma pena que hoje em dia eles tenham que receber salário para isso.

— Seja bem vinda, bela senhorita – o meu cavalheiro particular diz, me olhando diretamente nos olhos, com uma voz vaga bastante conhecida.

Depois de passar alguns segundos me olhando, meu pai estende as chaves do carro na direção dele. O rapaz se assusta e finalmente solta minha mão. Eu estava tão boba com tanta cordialidade e atenção que se alguém com o crachá do lugar viesse e pedisse para gastarmos todo nosso dinheiro em sobremesas, eu obedeceria. Sorrio com educação e agradeço, enquanto acompanho rapidamente meu pai até a porta – o.k., boa parte da minha rapidez era porque Luan já estava quase ao meu lado.

Eu estou me prevenindo, certo? Não confio mais nos meus sentidos, vai que eu pulo em cima dele ou algo do tipo.

Perigoso.

Passamos por um portal todo de vidro e uma moça elegantíssima vem falar conosco.

— Sejam bem vindos – ela diz com um sorriso simpático, segurando uma prancheta e eu me desespero quando sinto Luan parando muito próximo, bem atrás de mim. Consigo até sentir o calor do corpo dele e eu vou ficar maluca, não estou mentindo – já tem uma mesa, senhor?

— Já, quer dizer, sim – Otto engasgou. Victoire solta uma risadinha divertida.

— Sigam-me, por favor – a moça nos direciona pelo corredor e nós saímos num salão enorme e requintado, que parecia ser 55% feito de mármore. Ela nos deixa numa mesa ao lado de uma vitral que escorria água pelo lado de fora. Eu adorei o efeito, é claro.

Mas agora: de quem foi a idéia fantástica de me colocar sentada ao lado de Luan?

Qual é, será que ninguém percebeu ainda que o cara está tentando me matar? Alguém tem idéia do que isso causa em mim, quer dizer, ele está praticamente colado comigo e ele está perfumado. Isso é um atentado contra a minha saúde e sanidade mental, eu tenho o pleno direito que querer viver!

Euqueroviver!

… ah meu Deus, ele acabou de encostar o joelho na minha perna.

— Nossa! – Victoire grita e meu coração acelera mais do que já está – que susto! Vocês ouviram a jorrada de vento? Muito forte!

— Eu vi, até espalhou a água do vidro. Será que vai chover? – papai pergunta, olhando para o vitral. Tento com todas as minhas forças me concentrar no que eles estão dizendo, apesar da conversa ridícula. Fala sério, vir pra um restaurante de alto nível para falar do tempo? Não mesmo.

Mas o que eu quero saber do vento e de conversa? O cara acabou de encostar o joelho na minha perna!

Merda, ele está vindo de novo, não, não, não, ah…

SAI DAQUI!

— Olha, outra vez! – Victoire pula novamente, assustando-se e ME assustando.

A qualquer segundo eu vou ter um ataque cardíaco, isso é sério. Pelo amor de Deus, eu passando pela maior crise aqui e eles parecendo que nunca viram um ventinho na vida. Preciso me controlar para não agarrar sua camisa e arrancar um pedaço, tipo aquelas tietes ridículas em shows de modinha.

Preciso sair de perto desse cara.

— Ah… papai, vou até o banheiro – eu disse, com um tremor visível na voz que, inutilmente, tentei disfarçar. Beleza, ninguém nem sequer notou, estavam todos olhando a água dançar na janela. Enquanto me afasto, ainda ouço Victoire comentando como está ficando calmo, sem nem olhar na minha direção.

Paro em frente à pia gigantesca, que fica entre as portas dos banheiros feminino e masculino, e me encosto ali, tentando diminuir o ritmo dos batimentos cardíacos. Para disfarçar um pouco, começo a lavar as mãos bem devagar, tentando estender ao máximo o tempo.

Tá, tudo bem, fiquei pensando em você-sabe-quem.

Mas, entenda, não tem como. Eu não consigo esquecer o joelho dele roçando no meu.

— Preciso lhe fazer uma pergunta.