domingo, 4 de outubro de 2009

Capítulo 5 ~ Frissons

Está tudo um pouco confuso, certo? Pois bem, acontece que não é algo incomum uma reação parecida da parte de algum garoto ao me ver, ao menos pela primeira vez. Isso já aconteceu várias vezes durante os anos da minha vida. Alguns não eram muito agradáveis aos olhos, outros, segundo minha companheira fiel, eram tão lindos que chegava a dar vontade de chorar. Eles sempre ficam assim, meio abestalhados. Certa vez, esbarrei num garotinho magricela, ele devia ter uns 11 anos e derrubei suas coisas no chão. Eu juro, só percebi a expressão paralisada quando terminei de juntar suas coisas e dizer o quinto "me desculpe". E ele não desviou os olhos, pelo menos enquanto o pude avistar. Tinha coriza escorrendo pelo seu nariz.

Mas, sobre os caras legais – desconsiderando os inúmeros "café-com-leite" pertencentes à classe da puberdade – eles reagem com um pouco mais de classe. Sim, ainda ficam bobos – em alguns casos, obsessivos – mas é um pouco mais fácil de lidar. Depois da fase das tentativas de conquista, eles não falam mais comigo.

Nunca senti nada por nenhum deles. Nem atração, nem desejo, nem paixão, nem absolutamente nada. Nem ao menos amizade, pois todos acabavam se afastando de mim. Nara já disse várias vezes que sou idiota. Não sei, mas simplesmente não via nada de mais, eram apenas… garotos?

Sim, para mim isso não significa grande coisa.

Tenho colegas e converso com eles (de vez em quando). Eles muito raramente tentam bater um papo aleatório, mas quando isso acontece, não demora mais do que quinze minutos. Ou porque somem mesmo, ou porque surge alguma garota e os leva para longe. É sempre assim. A maioria das meninas não aprecia minha companhia. Sendo assim, fico na minha, para não arranjar confusão com ninguém.

Posso parecer meio arrogante ou prepotente, mas não sou. Não é que eu saia tratando de assuntos assim com todo mundo. Na verdade, não falo direito sobre isso nem mesmo com Nara. Nossas conversas resumem-se a um ou outro comentário dela sobre inveja ou "como ele era bonito", e uma exclamação final: "como você é burra".

Eu até, às vezes, sinto vontade de saber como seria ter problemas com espinhas, estar muito acima do peso, sei lá, me apaixonar. Mas eu sou e sempre vou ser assim. A mesma coisa.

— Agora, pessoal, gostaria de dizer quem são os alunos novos este ano – a orientadora dizia para a turma sonolenta – temos o Sr. Steven, que se mudou ao final do ano escolar para nossa cidade, diretamente da Inglaterra. Ah, ali está ele, logo atrás da Srta. Noire. E também temos mais um rapaz, que não se encontra na sala por enquanto, mas logo chegará. Espero uma recepção calorosa da parte de vocês.

Ela termina de falar sobre os novatos e todos voltam para a posição sonolenta. A parte de interesse geral acabou de passar. Voltei a olhar para a chuva e a observar os pingos caindo pesados sobre as folhas. Eu podia ouvir seus agradecimentos – não, mentira, não podia. Acho que não. Isso me confunde. Esqueça –. Mesmo Nara, que normalmente mostra-se dedicada e atenta ao que qualquer pessoa importante diz, começa a passar a limpo os horários das aulas para o quadro da agenda, nem sequer se importando com as inutilidades que a mulher recita lá na frente.

Fiquei uns bons minutos assim, sonhando acordada. Talvez uns cinco. Talvez quinze. Mas, repentinamente, uma sensação esquisita, como uma onda de formigamento suave passou por todo meu corpo, até a ponta dos dedos. Admito ter ficado ligeiramente assustada com a sensação, pois, vou dizer e vocês vão ter que acreditar, não foi um formigamento normal. Minha cabeça latejava e eu pisquei algumas vezes até entender que não estava enxergando direito. Milhares de pontinhos coloridos brilhavam por cima das coisas, formando desenhos, me impedindo de ver nitidamente.

Então, noto uma manifestação de burburinhos pela sala. Quando me viro, vejo uma pessoa parada na porta.

Na verdade, olhando de relance, pareciam duas pessoas. Uma brilhava muito. Porém, quando o formigamento e os pontinhos cessaram, eu consegui recuperar a noção de que tinha cérebro e percebi que era uma só. A figura sutil atrás dela havia desaparecido.

— Desculpe. Tenho licença? – o garoto da porta pergunta com educação.

— Ah, claro que sim, querido. Pessoal, este é Luan Mathieu V… – ela hesita um instante e lê algo num papel – Volker Chermont, mudou-se de Namur. Façam com que ele se sinta bem entre vocês – a orientadora fala com um sorriso direcionado para a turma e sinto um certo tom de ordem.

Inicialmente, mal notei sua aparência física, fiquei mais preocupada com minha estranha sensação de déjà vu. No entanto, ao vê-lo caminhar até o fundo oposto da sala, noto que as garotas tinham razão pelo murmúrio, pois, sem os malditos pontinhos brilhantes brincando na minha íris, os traços do seu rosto ficam bem delineados.

É um cara alto, com um ar confiante. Mas, ainda assim, tem algum menino escondido por ali em seu rosto. Talvez perto das bochechas… ou atrás da pontinha de seu sorriso, num dos cantos da boca. Ou quem sabe esteja nos cabelos desajeitados, levemente levantados no meio. Os olhos são… não sei como definir os olhos.

Ah, merda.

— Lune, você está bem? – Nara me desperta com uma enorme cara de preocupação. Eu a olho desnorteada.

— Ah… claro, por quê? – pergunto com a voz mais aguda que o normal.

— Você está tremendo e… está com calor? – ela disse muito surpresa, fiscalizando cada expressão do meu rosto.

— Estou? – eu perguntei, sem prestar atenção. Mas então notei meu rosto molhado. Passei minha mão pela nuca e contemplei meu suor – Estou.

— Mas está chovendo. E ventando. E frio – tento não a encarar diretamente, pois, na realidade, estou tão surpresa quanto ela. Sinto com um choque sua mão gelada sobre minha testa.

— Meu Deus, será que você virou humana? – Nara ri, divertida e incrédula – Está doente?

— Claro que não, não fale besteiras – grunhi, com o cenho franzido, enquanto livrava minha nuca do cabelo comprido. Como eu queria que houvesse ao menos uma janela aberta.

Eu mal tinha terminado de juntar todo o cabelo quando nossa orientadora direcionou seus olhos assustadores em minha direção. Já nessa hora, achei que fosse me ferrar por algum motivo. Então, ela falou para algo atrás de mim:

— Sr. Steven, eu agradeceria se pudesse se conter e direcionar seu nariz para a frente da sala e não para a nuca da Srta. Noire, mesmo que esta não possa conter seu fogo num dia chuvoso como o nosso.

E fitou Nara, completando:

— Srta. Lausanne. Vire-se para frente.

Vaca maldita. Eu juro (mentira) que queria morrer e levar você comigo.

As palavras da velha soaram como um baque contra a sonolência da sala. Logo, todos os quase adormecidos se esticaram para assistir, aos risos, minhas bochechas avermelharem. E quanto mais riam, mais elas avermelhavam. As garotas escrotas da sala – as quais apresentarei posteriormente – murmuravam entre sorrisinhos.

Aparentemente, enquanto eu estava com o cabelo levantado e a nuca aparecendo, o nosso amigo, Sr. Steven, pregou os olhos nela e, gradativamente, inclinou-se em minha direção até quase enfiar o nariz no meu pescoço louro-platinado.

Eu ainda tentava imaginar como faria para tirar os olhos da turma toda de cima de mim quando noto que não há mais nenhum a ser tirado. Todos agora se encaminharam para o fundo da sala. Quer dizer, já estavam, mas agora é o do outro lado.

O garoto novo, ou melhor, o tal Luan, está em pé, em frente a um vitral. Ele estende a mão e o escancara. Um vento frio e reconfortante, ao menos para mim, rodopiou pelo lugar, feliz da vida. Houve um silêncio imediato.

— Que foi? Não está tão frio assim – ele disse, olhando inocente para a turma e para a orientadora e voltou a sentar, parando os olhos em mim.

Houve mais de uma coisa estranha quando cruzamos nossos olhares pela primeira vez. A número um é que, de uma forma inédita, me senti do outro lado da moeda. Eu não tive coragem de me mexer até ele desviar os olhos. E depois, não consegui descolar os meus dele.

Tá, talvez nenhuma garota conseguisse. Mas isso foi incrível, para mim. Eu prendi minha atenção em alguém. Impressionante. Claro, admito: eu esperava uma expressão facial um pouco menos idiota.

A outra coisa estranha não aconteceu comigo. Foi com ele. Por uma fração de segundo, eu quase vi uma expressão perdida se formar em seu rosto, a mesma que surge sempre que qualquer cara novo me vê. Mas ela não chegou a tomar forma. Algo entrou em seu lugar, algo esfumaçado que se instalou bem atrás de seus olhos e deixou sua face desfocada por um instante, para mim. Depois disso, Luan abriu um belo sorriso confortável e parou de me olhar.

A velha mal amada, apesar de parecer querer falar algo, não protestou em nada, apenas concordou e continuou falando sobre as suspensões. Eu podia sentir uma onda de raiva passando pelas garotas da sala e me encolhi na cadeira.

O único momento em que foi possível ignorar o clima homicida foi quando botei os pés para fora da escola. Sim, o intervalo também foi interessante, já que me contentei em percorrer cada metro quadrado de verde existente naquele bloco, mas como andei muito, encontrei muitos ombros. É engraçado como eles apreciam esbarrar nos meus a cada três passos.

Ah, sim, isso não durou muito, pois logo eles foram para os banheiros. Clássico, não importa a idade, o tamanho, a raça, etnia ou cor, garotas fofocarão na frente do banheiro e/ou dentro dele. As pessoas podem não se respeitar, mas respeitam os banheiros.

Pif. Poupem-me.

Bom, eu não me importo com essas manias delas, nem com os esbarrões. Questão de preguiça. É mais fácil não me incomodar. Mas isso não me impede de achar uma coisa besta, certo? Nara diz que é inveja da parte delas, mas não liguem para os dizeres de Nara sobre mim, ela me valoriza demais e a si própria de menos. A pobrezinha não sabe como é de verdade: linda. Reflexos de um passado desprezado e acima do peso, talvez, embora eu viva falando que ela já era linda quando gorda. Eu não tenho absolutamente nada contra gordos. Eu gosto de gordos. E acho que todo mundo deveria gostar, não apenas pelo fato de serem bons de abraçar, mas porque são pessoas.

De qualquer forma, mesmo tendo emagrecido horrores e hoje ter um corpinho delicado e frágil de boneca, Nara continua se achando pouca coisa. Às vezes acho que ela precisa de terapia.

Chego ao fim da rua e avisto minha casa.

Se me permite, essa é a hora perfeita para um pouco de autobiografia. Quando cheguei, com todo meu um metro de altura, Otto morava num apartamento minúsculo, lá pros lados mais urbanos de Liège. Ele não tinha nem ao menos uma planta na janela, vê se pode. A minha vinda foi uma revolução. Já nos primeiros meses, não suportando minha depressão por falta de clorofila, meu pai juntou todas as suas economias, todas mesmo, e comprou uma construção meio acabada, afastada do centro. Mesmo estando numa localização ruim e em condições precárias, ela tinha um espaço considerável de grama. Para mim, o lugar perfeito.

Por ser a última casa de uma rua sem saída, a única coisa que passa por aqui são os outros moradores e seus animais de estimação. Nossos vizinhos são: uma velhinha esquisita e seu Rottweiler no lado esquerdo e uma moça divorciada com três filhos no direito

Eu mesma fiz toda a estética do jardim. Tem mini-rosas enlaçadas nas grades das sacadas, luzes no jardim, três coelhos, vários peixes e uma tartaruga.

Vindo de mim, o que esperavam? Só não tenho uma floresta dentro do quarto porque uma vez aprendi que ter plantas em lugares fechados é perigoso. É, culpa do gás carbônico. Ou tipo isso.

Mas, aguarde, ainda faltam alguns ajustes e assim que houver uma sobra de verba bacana, eu vou deixar tudo digno da realeza. Enquanto isso, estou muito feliz com tudo do jeito que está, principalmente quando sento sob o carvalho enorme que temos nos fundos. É sério, ele é fantástico, coisa antiga mesmo. Pra ter noção, dá pra ver a árvore lá do ponto mais distante da rua, pois sua copa é mais alta que o telhado. Ali, embaixo dele, é onde, normalmente, passo a maior parte do tempo livre, escrevendo, ouvindo música, brincando com algum pobre coelho que esteja por perto… bom, é o único lugar em que chego perto de me sentir num lar – mesmo ainda não obtendo muito sucesso.

Tudo bem, já estou parecendo obsessiva demais.

A tarde passa rápido quando estou cuidando do jardim. Tanto que, quando ouço o som do relógio da sala, me surpreendo com o horário. Me certifico mais uma vez de que já completei meus afazerem diários e parto em direção à porta dos fundos, afim de tomar um banho muito necessário.

Antes de entrar, ouço o portão se abrir. É mais ou menos sempre assim, papai chega (atualmente anda chegando mais tarde, milagre desta vez ser cedo) e vou recebê-lo. Se ele está de bom humor, me joga sua maleta e suas meias quando entra em casa. Se não está, ele pede por comida.

Corro para frente de casa e quase derrapo na grama, pois, sabe como é, ainda estou com os sapatos "externos" e eles não foram exatamente planejados para correr sobre plantas úmidas. Muito menos para frear nelas.

— Lune! – meu pai se assusta em ver meu estado de lamentação – isso é jeito de se apresentar na frente das visitas?

Merda.

— Esse é o seu uniforme? – ele acrescenta surpreso – Onde esteve afinal? Olhe sua camisa, parece que esteve brincando com algum monstro de lama.

Baixo os olhos e vejo que minha camisa do uniforme, um dia branca, está amassada e com manchas de patinhas marrons. A saia, geralmente cor de chumbo, está preta e marrom, isso sem falar nos pedacinhos de grama pendurados.

— Seu rosto está imundo e seu cabelo está pingando terra, onde esteve?

Oh Deus. Papai, cale a boca.

— Cuidando dos coelhos – respondo baixinho.

Não sei se você percebeu, mas ele disse "visitas". Pois bem, eis que surge de trás dele uma moça impecavelmente bonita, bem vestida e limpa. Mais nova que Otto – eu acho – com cabelos no ombro e corte repicado. As bochechas são levemente rosadas, num ar saudável.

Bom, pelo menos meu pai poderia ser compreensivo e se tocar de que é impossível passar a tarde num jardim depois da chuva sem se sujar de lama.

Chérie – ele voltou a falar comigo, com um esboço de sorriso. Eu sabia, eu sabia! Lá no fundo da sua alma desumana ele está morrendo de rir – vou sair para jantar com uma… a propósito, esta é Victoire, mudou-se este ano para cá. Não sei que horas eu volto, mas tem comida no freezer, qualquer coisa é só esquentar e…

— Papai, eu sei cozinhar – eu cuspo as palavras. O que é isso, está realmente preocupado com minha alimentação ou apenas quer parecer o pai atencioso e impressionar sua "amiga"? Que inclusive é meio suspeita, esse ar respeitoso não é confiável.

— Ah… claro, claro – ele disse sem graça – então, se cuide.

Ele me deu um beijo receoso, por causa da sujeira. Sorri um sorriso bem falso para ele, dando tchauzinho para a moça. Ele age como um cavalheiro e, assim que Victoire dá as costas, ele aponta para mim e se debulha em gargalhadas silenciosas.

Sacana sem escrúpulos. Amiga é? Hum.

Coitado. Acha que me engana.