sábado, 18 de setembro de 2010

Apenas alguns recadinhos :)

Leiam! As novidades são boas!

Primeiramente, quero agradecer o imeeenso apoio que tenho recebido de todos os leitores [e até não leitores, pois muitos me perguntam se eu já tenho o livro disponível para venda, já que não conseguem acompanhar pelo blog]. É o carinho de vocês que me faz ter cada vez mais esperanças de realmente alcançar a publicação :)

Também gostaria de informar a todos que, finalmente o original de O Cristal está sendo avaliado por uma editora. Vamos torcer, povo! Quem sabe não vemos Nienna nas livrarias ano que vem? *-*

E o melhor: estou trabalhando incessantemente num projeto que, acredito, vai agradar muuuito todos aqueles que realmente gostam da série e estão ansiosos pra ler o final. O que é? Uma publicação independente decente. Sim, sem essa história de encadernação fajuta! Conversei com o papai e ele concordou em me ajudar nessa história toda. Ou seja, vamos fazer tudo numa gráfica de verdade, com qualidade e ilustrações na capa! Sempre disse que faria desenhos para ilustrar a história, mas antes não tinha certeza se conseguiria colocar uma capa realmente bonita. Agora, ao que me consta, isso vai ser possível!

Eeee :D

Quanto aos desenhos internos do livro, só fiz dois até agora mas, modéstia a parte, estão ficando ótimos ! A publicação, provavelmente, ainda demorará um pouco, pois vamos pesquisar e fazer vários orçamentos, porém, acredito que teremos um bom presente de Natal :)

Prometo divulgar em todos os lugares quando ela estiver próxima e espero que todas as pessoas que estão me garantindo a compra realmente realizem quando chegar a hora. Se isso acontecer, vou vender tudo bem rapidinho *-*

Só tenho a agradecer mesmo o apoio que venho recebendo de vocês. Muito obrigada!

É isso, por enquanto, povo! Até a próxima e não deixem de participar da comunidade de Nienna no Orkut (aqui), lá é mais fácil de encontrar informações sobre a série em si, já que estou sempre respondendo as perguntas :)


Beeeijos!


Ps: agradeço imensamente à Paula Pimenta, autora de Fazendo o Meu Filme, por ter divulgado minha série e a história da Nilsen (aqui) no seu Twitter (@paulapim). Sem palavras pra dizer o quanto fiquei feliz!

Ps²: também agradeço à Luiza, do blog Paixão por Livros (aqui), e à Gabriella (aqui) por terem lembrado de mim e indicado Nienna como Blog de Ouro. Obrigada, flores!


Capítulo 41 ~ Irmãs

Um tempo sozinha é tudo de que preciso. Acho. Um tempo tranqüilo e sem nenhum tipo de acontecimento absurdo para que meus neurônios tenham a chance de tomar um chá e relaxar. Quem sabe, pensando com calma, eu consiga aceitar melhor tudo o que aconteceu. Possa deixar de me incomodar com a dor e tentar entender a explosão de reações que tomou conta do meu corpo. Sim. É isso que vou fazer. Sentar aqui, respirar fundo e canalizar a sensação ruim do meu peito para fora.

Não consigo explicar com muita eficiência o que senti exatamente quando vi o beijo. Sei que foi um beijo sem importância, que não havia intenção nenhuma da parte de Luan. Sei. Mas, mesmo com essa consciência, alguma coisa bem escondida dentro de mim foi incomodada, alguma coisa sensível e de muita força que eu não lembrava existir. Não faço idéia do que seja. Só sei que um pedaço de mim, há muito guardado e enfraquecido, foi violado. E, se não me engano, aquele transe veio de sua ferida.

Quando vi Luan preso contra a parede e os lábios de Chantal brincando sobre os seus, senti como se estivesse num plano diferente, um plano mais denso. Não sei se essa é a palavra, mas eu sentia a pressão do ar, a dificuldade em respirar. Meu peito doía, meu coração parecia sofrer com o esforço das palpitações. Aquela ânsia desconfortável que, na menor das chances, tentava passagem. Meus músculos estavam rígidos, dormentes, embora eu sentisse minha energia vital se esvair por diferentes pontos do meu corpo. Cabeça, mãos, peito, costas. Agora, lembrando bem das imagens, cores me chamam a atenção. Engraçado. Nunca tinha parado para pensar se as nossas lembranças vêm em cores. Essas, em especial, estão manchadas de vermelho.

Ainda há mais uma coisa. Durante toda a cena, eu tive a impressão de perder alguma coisa. Era como se, a cada segundo, alguém viesse e sugasse de mim um pouco de Luan. E ainda me sinto dessa forma cada vez que penso em Luan e Chantal. Seus corpos juntos. As mãos dela em sua nuca, correndo os dedos entre os fios do seu cabelo… tudo justamente da forma que, por muitas vezes, fiz em meus sonhos.

Não tenho certeza se você consegue me entender e imaginar como isso dói. Pois, para mim – me perdoe se isto soar com exagero – foi como se minha essência tivesse sofrido um acidente. Um impacto contra um muro de concreto.

Seja lá o que isso significa.

De forma alguma estou aqui justificando o meu estado de autopiedade, mas, vendo as coisas por esse ângulo, foi bastante compreensível.

Isso é, caso você entenda a intensidade das emoções. Foi mais ou menos tudo isso que quis explicar para Nara quando se aproximou e se sentou muito quieta em minha frente. Durante uns bons minutos, se ocupou com a tarefa inútil de alisar, ajeitar e refazer as pregas de sua saia. Fui esperta o suficiente para notar que, obviamente, ela só estava fazendo aquilo para não ter que olhar para mim, já que não havia nada para ser arrumado ali.

Mesmo sentindo milhas de distância entre nós, ao ver seu rosto, sempre doce e familiar, não consigo simplesmente continuar agindo como se não houvesse nada demais acontecendo. Afinal, Nara é – e sempre foi – o meu lado mais sensato. Porém, enquanto eu falava tudo o que acabei de relatar aqui, via seus olhos se encherem de água. Até que desatou a chorar.

Pode imaginar qual foi o meu espanto?

Parei de falar no mesmo instante, surpresa demais para conseguir continuar. Não me sinto muito confortável. Devo dizer que, ver essa reação, mais do que perturbada ou preocupada (o que, pode ter certeza, estou), me deixou curiosa.

Meu Deus, o que aconteceu com ela?!

Tentei ao máximo respeitar seu espaço e a deixar em paz, mas a curiosidade é um insetinho asqueroso. Quando pica, a ferida fica coçando, coçando e coçando até cravarmos as unhas nela.

— Nara, por que está chorando? – pergunto com a voz mais açucarada possível e toco seu joelho, num ato medíocre de apoio. Ela esconde o rosto nas mãos e soluça sem parar.

Nara é daquele tipo de pessoa que só chora quando se emociona muito. O detalhe é que ela se emociona muito com bastante facilidade. É muito interessante ouvir seus desabafos, é quase como… assistir novela. Por mais que o motivo das lágrimas seja banal, o jeito dela de ver as coisas é sempre um drama incrível. O problema é que, hoje em particular, não sei o motivo e, dessa forma, não posso afirmar se é banal ou não. Com certo pavor, me dou conta de que o problema pode ser eu mesma.

Entro em desespero, obviamente. Ela já estava estranha há tempos, mas em momento algum me dei ao trabalho de perguntar o porquê. Sou uma amiga vergonhosa. Com amargura, sinto a culpa pesar sobre meus ombros. Distraída como sou, posso tê-la magoado sem sequer notar e nem me interessei em saber qual era o problema. O sentimento de curiosidade vai embora num instante e o medo assume o seu lugar. É miserável o fato de eu ter visto as coisas acontecerem sem me dar conta do tamanho da minha falta de consideração.

— Nara, eu fiz alguma coisa? Por favor, me diga, você sabe que sou meio lenta para perceb…

— Pare, Lune, por favor!

Aí percebi que as coisas estavam realmente críticas. Nara mal podia ouvir minha voz. E o que eu faço? Milhões de alternativas me vêm à cabeça, provando o trabalho árduo, porém pouco útil, dos meus neurônios. Sim, porque, se eles tivessem achado uma solução plausível, eu não estaria ainda aqui inerte e com a boca aberta como uma planta carnívora.

Decido – em parte por achar mesmo melhor e em parte por falta de opções mais criativas – esperar Nara se acalmar para, por iniciativa própria, me explicar seu choro. Não demorou muito. Mais ou menos três minutos depois ela (ainda sem me encarar) desabafa.

— Me desculpe, Lune.

Essas mesmas palavras já estavam muito bem formadas na ponta da minha língua, prontas para serem soltas. A surpresa não me permitiu dizer nada. Não era bem essa a frase que eu estava preparada para ouvir.

— Como é? – pisco em sua direção, confusa. Suas bochechas ardem num vermelho gritante.

— Me desculpe, Lune, fui uma amiga ridícula para você.

— … Amiga ridícula?

— Sim.

— Hã?

— Pare com isso! – ela se enfurece com minha evidente dificuldade de compreender as coisas e me encara com seus olhões inchados.

— Desculpa, Nara, o que…

— Não peça desculpas!

Acho melhor eu ficar quieta de vez.

Sua vergonha é bastante perceptível, agora. Pela forma como está agindo, acho que realmente não fiz nada de errado (não que isso seja uma conclusão brilhante de minha parte).

Sabe, quem não conhece não tem idéia do quanto Nara fica doce quando está derramando lágrimas. Os olhos castanhos redondos ficam levemente esverdeados quando cheios de água, as voltinhas graciosas nas pontas do cabelo curto, os lábios volumosos totalmente cor-de-rosa e a expressão de menina insegura dão vontade de carregar no colo e levar para casa. Sempre pensei que quando um cara se apaixonasse por ela com certeza seria por que a viu chorando.

Então, dá para entender por que fiquei tão comovida.

— Lune, eu… – Nara volta a falar – não sei se consigo dizer isso – pausa para suspiro – ontem… ontem eu estava bastante incomodada. Tudo bem, essa não é a palavra certa.

Ela suspira mais uma vez.

— A verdade é que, ontem, eu senti muita inveja. De você.

(Silêncio).

Era só isso?

Ou eu perdi algum pedaço importante da conversa ou o choro dela é mesmo exagerado. Tipo, não que inveja seja algo bom, mas tem invejas e invejas. Eu mesma invejo Nara por milhões de coisas. Pela sua capacidade em fazer coisas significativas, como escrever, pintar as unhas, colocar acento nas palavras certas ou manter o caderno longe da terra e da chuva. Mas, como ela me olha ansiosa, acho que lhe devo algum tipo de resposta. Por isso, falo:

— Uau, Nara. Obrigada.

No mesmo instante percebi que falei bobagem. Nara ergue a cabeça, me fulminando com os olhos. Quase peço desculpas, mas considerando o insucesso da última vez, decido calar a boca.

O.K.! O.K.! Ninguém precisa se matar aqui, foi só um erro de interpretação pequeno que já será resolvido, minha inteligência não é das mais podres, também. Não me xingue.

— Como assim “obrigada”?

Ela parece bastante chocada com a minha aparente falta de noção das coisas. Inicio minha defesa imediatamente.

— Nara, não há nada de errado nisso, somos amigas.

— Não, não, não! – ela balança a cabeça de um lado para o outro com tanta rapidez que eu ficaria tonta em cinco segundos se me atrevesse a fazer o mesmo – Essa é a inveja boa!

— Sim, é isso que estou querendo dizer, é uma inveja boa! – sorrio, feliz por tê-la feito compreender e dou palmadinhas de felicitação em sua mão esquerda.

Apesar disso, Nara não tem a mesma reação. Novamente ela baixa os olhos e, após alguns suspiros, percebo uma lágrima cair sozinha em seu joelho. Depois de um tempo o número de lágrimas aumenta e, quando vejo, sua cabeça está pousada sobre minha clavícula.

E eu fiquei, tipo, ? E agora, meu Deus. Sei que devo abraçá-la de volta, mas simplesmente não consigo me mover.

— Me desculpe, Lune, eu estou me sentindo a pior amiga do mundo – ela fala, com a cabeça ainda sobre minha clavícula.

— Mas você sabe que não é, pare com isso – seguro seus braços, sem saber o que fazer. Quer dizer, até pouco tempo atrás eu estava propícia a esse tipo de cena.

— Não foi um mal entendido! Isso é que você não entendeu! Não foi uma inveja boa. Foi aquela que ninguém deveria sentir, por ninguém. Aquela que a gente sente pelas pessoas que mais odeia.

Ah.

— Você é maravilhosa, sempre foi – ela continua falando para meus ossos enquanto eu interpreto o que ela acabou de dizer – desde a primeira vez que nos vimos, quando jogou aquela garota estúpida que estava rindo de mim a um metro e meio de distância e quase a fez quebrar a coluna.

A informação me distraiu por uns segundos.

— Eu fiz isso? – perguntei, incrédula.

— Sim, fiquei tão feliz quando percebi que você não se lembrava. Eu nunca quis te dizer por que sabia que você se sentiria um monstro.

— Bom, eu estou me sentindo agora – respondo, horrorizada comigo mesma e confusa, também. Como não me lembrei disso?

— Mas não deve, Lune, não deve, você é maravilhosa e eu prometo nunca mais esconder nada de você.

Eu não sei o que dizer. E o estoque de frases dela parece ter se esgotado também. Eu acabei de descobrir que quase quebrei a coluna, veja bem, a coluna de alguém. Isso explica porque a garota saiu tropeçando daquele jeito.

Depois de alguns minutos de silêncio triste – da parte dela – e pasmo – da minha parte – eu consigo lembrar minhas células do cérebro de que são possuidoras da magnífica capacidade de movimentarem meus músculos. Seguro firmemente os braços de Nara e a coloco reta.

— Por que você sentiu inveja de mim, Nara? – pergunto meio incerta se há mesmo algo passível de inveja na minha pessoa. Algo importante, logicamente.

Vejo mais lágrimas beirarem seus olhos.

— Ontem, quando você faltou… várias pessoas vieram me perguntar de você. Bom, seria mais justo dizer que vários garotos vieram perguntar de você. Uns quinze, assim. Até alguns que tinham namoradas. Na primeira distração da parte delas, vieram e perguntaram se você estava bem. “Ei, Nara, ouvi que Lune está no hospital, como ela está? Não é nada grave, certo?” ou “você é a amiga da Lune? Ela está internada, está bem? Por que se ela estiver mal eu queria levar algo para ela”… – ela chorou mais – aquilo me deixou furiosa.

— Mas, por quê? – percebo que meus lábios se entreabriram, porém, não faço questão de esconder meu espanto. Nem um pouco – Eles estavam só se importando comigo.

Ela parece terrivelmente envergonhada. O que é muito bom.

— Eu nunca tinha percebido o quanto isso me incomodava, Lune, mas naquele dia todos os anos que me senti apagada perto de você voltaram de uma só vez.

Eu parei um pouco e pensei. Pensei mesmo, de verdade. Durante anos, quem se sentiu apagada fui eu. Eu me via como uma garota aleatória, que acordava e ia para a escola todos os dias porque me diziam ser o certo. Porque era isso que as garotas geralmente faziam. Porque era o natural. Eu nunca me vi como alguém de fato. Eu malmente tinha vontade de ficar aqui. Eu malmente me queria em estar aqui.

E, agora, Nara, minha melhor amiga, a pessoa que mais admirei por toda a vida, me diz que se sente apagada perto de mim. Eu ao menos tenho uma vida. Eu tenho uma inércia.

Isso é… até Luan chegar.

Analisando bem, depois de Luan, meus dias se transformaram completamente. O que é meio digno de um conto-de-fadas.

— Você me conhece – Nara continua, depois de se recuperar o suficiente para poder formar sílabas –. Desde pequena sonhei com casamentos, filhos. Fantasiava romances imensos e namorados da realeza. Agora, falando assim, pareço bastante idiota e me sinto dessa forma, acredite, mas não posso mudar as coisas. Eu sou do tipo romântica. E ontem meio que me dei conta de que ninguém nunca percebeu minha existência – ela faz uma pequena pausa e limpa suas bochechas. Depois, com a voz trêmula, conclui: –. Ninguém nunca vai me notar enquanto tiver você para ver, Lune.

— Nara, você sabe que eu nunca pedi por isso.

— Eu sei! – ela se apressa em esclarecer e, num gesto involuntário, alcança minhas mãos.

Nisso, os quilômetros diminuem drasticamente e, pela primeira vez em bastante tempo, consigo ver em Nara a mesma menina tímida que me acompanhou por anos. Que me olhava sempre em busca de proteção, de carinho, de atenção. E, reciprocamente, ela parece também reconhecer em mim a criança que sempre a tratou como o maior dos presentes.

Assombrada, perguntei a mim mesma quanto tempo fiquei sem perceber que a pequena Nara de nossa infância havia sumido. Aquela que me abraçava todos os dias, sem pular nenhum, e chupava as pontas das marias-chiquinhas enquanto sonhava acordada.

E minha amiga parecia estar se perguntando a mesma coisa sobre mim. O silêncio fez eu me sentir horrível. Nara sempre foi minha única amiga. Sempre. E depois que nos conhecemos nunca mais nos separamos. Eu mudava de colégio, ela mudava também. Ela mudava, eu fazia de tudo para ir estudar com ela. E, mesmo assim, não dei por falta de nada quando ela mudou. Não notei sua transformação. E, por sua expressão de agora, ela também não parece ter notado a minha. O momento em que deixei de ser aquela criança alegre, aquela caixinha de sonhos, para ser a Lune de agora. Aliás, a Lune anterior a Luan.

— Eu só não tinha notado, Lune.

— Também não notei. Também estava longe.

Ela me olha com aquela cara, tipo, “hã?” e esclarece:

— Não, não isso – ela solta um riso fraco – eu não entendia o seu lado. Nunca havia notado o seu modo de ver as coisas.

(Silêncio).

— Não entendeu, não é?

— Não, desculpe – respondo humilde. Ela sorri.

— Eu me limitava a pensar no meu lado. Via você desprezar todo mundo e achava isso horrível da sua parte. Achava horrível você não ter noção e jogar fora a sorte que tinha. Eu sempre fiz de tudo para ser uma boa pessoa. Sempre quis que gostassem de mim, faz parte de quem sou, também. Nunca me preocupei com o seu motivo para mandar todos os garotos do mundo passear. Você simplesmente não gostava deles, mas eu não pensava assim. Eu só pensava que era injusto. E, depois de hoje, finalmente caiu minha ficha. Você também sofre. Você não é um zumbi humano por opção, como eu acreditava que fosse.

— Você achava que eu era um zumbi humano?

— Bom… sim. Você era um zumbi humano.

(…).

Ah é, é, ela tem razão.

— Quando a gente conhecia um cara – ela continua, ajeitando uma mecha de cabelo atrás da orelha e olhando para minhas mãos – ele olhava para você. Ele conversava com você. Podia ser qualquer um, de qualquer tipo. Era sempre você. Desde que me lembro. Bom, ainda é. Eu… eu sempre tentei relevar essas coisas. Achava que, quando fosse para ser o cara certo, ele iria olhar para mim. Mas, com o tempo, eu percebi que enquanto eu estivesse com você, ninguém faria isso, mesmo que fosse, tipo, minha alma gêmea. Até mesmo quando o encanto por você passava, eles não me notavam, porque simplesmente se afastavam. Procuravam fingir que você não existia e, conseqüentemente, se esqueciam de mim também.

Ela fez uma pausa para recuperar a voz e suspirar.

— E… e eu amo você – Nara me sorri e eu sinto vontade de abraçá-la com muita força, para tentar aliviar qualquer coisa que estivesse ali – eu jamais iria deixar você sozinha, mesmo que por uns minutos, só para, sei lá, tentar arranjar um namorado. Eu nunca me afasto de você, você é uma das pessoas mais importantes para mim, você é como minha família. Mas a coisa é que… com o tempo, fiquei sufocada.

— Por isso você fugia de mim quando Luan estava por perto? Como aquele dia do balanço? – pergunto, morrendo de medo da resposta. Não queria que meu novo motivo de felicidade fosse um desconforto para ela.

— Não. Com Luan sempre foi diferente. Mas, quando percebi que ele provocava algo em você, fiquei meio boba. Vi que, justamente ele, não tinha nenhum tipo de reação alucinada. Isso mexeu comigo. Eu vi que você não está livre de sofrer por amor e tinha medo de que isso me mostrasse o quanto eu estava errada por sentir inveja. Eu não ficava por perto quando Luan se aproximava porque tinha medo de que você notasse. Sabe, a minha inveja.

— Eu não amo Luan – digo, irritada – você sabe, é apenas uma atração. Amor é coisa séria.

Ela revira os olhos.

— Não importa, Lune, o negócio é que… eu fui terrivelmente infantil. Terrivelmente. E fui um lixo de pessoa. E o pior: vi de perto a forma como ficou assistindo aquela cena deprimente de Chantal e só fiquei lá, vegetando. Na verdade… eu já suspeitava que algo assim fosse acontecer… pude ouvi-las falando algumas palavras soltas. E fiquei quieta. Você sempre me defendeu, sempre cuidou de mim e hoje, quando você mais precisou não fiz nada. E estou arrependida. E prometo que nunca mais vou negligenciar você. Eu te amo, irmãzinha.

Ela termina, me dando um enorme abraço. E eu a abraço de volta, logicamente, muito feliz por ter minha amiga de volta. Minha irmã. Que, sem notar, deixei ir embora e não percebi sua ausência para trazê-la de volta.

— Nara, me desculpe, eu nunca percebi nada disso.

— Não tem que se desculpar. Eu não devia ter deixado meus pensamentos me afastarem de você. E, não sei que tipo de mel existe em você que atrai todos os homens, mas, seja o que for, apenas está em você. Nada pode mudar isso. Deve ser só, sei lá, sua alma bruxa.

— Isso não foi engraçado – respondo, desgrudando seus braços de meu pescoço.

— E não era para ser, não deve ser tão emocionante ter uma alma bruxa.

— Cale a boca.

E nós damos risadas juntas. E acabou.

— Hã… tem muita gente rindo de mim, lá na matrix? – continuo, enquanto solto um suspiro de alívio. Afinal, além do sentimentalismo e aquela melação toda, alguém precisa me informar das coisas.

— Bom… tem muita gente rindo de você. Sabe, você saiu correndo e praticamente declarou para todos os ventos que está apaixonada por alguém. Você movimentou muito a cabeça dos garotos por lá.

— É, eu imagino. Todos os caras que chutei o traseiro devem estar querendo minha cabeça.

— Acho que não. Os caras não são vingativos como nós, mulheres, costumamos ser. A maioria deles não se importa e está só batendo nas costas de Luan, dizendo: “aí, gostosão, levou o peixe grande?”; “Sortudo do”… você sabe, aquela palavra imprópria.

Estou incerta sobre como me sinto por ter sido chamada de peixe.

— Bom, agora eu entendo porque Luan fez tanta questão de vir esclarecer as coisas, é pura pressão e saco cheio.

Um silêncio um pouco incômodo surgiu e eu pude perceber um novo ar em volta de Nara. Ela olhava para as próprias mãos e parecia desconfortável. De repente, suspira e esfrega os olhos.

— Eu troquei umas palavrinhas com Luan depois que você saiu. Quis fazer alguma coisa depois do desempenho vergonhoso de só ficar assistindo. Ele não pareceu muito flexível.

— Como assim?

— Bom, ele estava consciente de que você não ficou feliz e também de que deveria ter relutado, ao invés de só esperar que uma ventania misteriosa atacasse os cabelos da estupradora demente. Mas… quando fui falar com ele, ele só enfatizou o quanto não poderia ter feito nada. Não gosto disso.

— O que ele disse?

Ela suspira mais uma vez e se dedica mais do que o normal a ajeitar os frisos da saia.

— Ele disse que não teve culpa se uma ruiva alucinada se atirou em cima dele e afirmou que estava sem opções de ação. Então eu lhe disse uma opção bastante óbvia: a de ter mandado ela se ferrar. Aí Luan ficou puto da vida e disse que eu “não entendia nada”.

— Espera – espera, espera aí – ele disse assim mesmo, que você “não entendia nada”?

Ela fez que sim com a cabeça.

— Isso foi…

— Meio grosseiro. Eu sei.

Eu não queria aceitar.

— Sim, foi mesmo – aceitei, no fim das contas.

— Mas, sabe, também tem muita gente com medo, por causa do seu olhar assassino.

­— Olhar assassino? – pareço confusa o suficiente para convencer Nara de que não sei mesmo do que está falando. Ela empalidece um pouco, arrependida do que disse.

— Bom… – ela começa, relutante – digamos que você ficou com uma expressão meio… assustadora.

— Sei… – na verdade, não sei – e como foi essa expressão?

— Ah… aquilo… os olhos meio arregalados, fixos no espaço, os cabelos se erguendo em volta de você… – ela fez uma pausa incerta e, por fim, concluiu – a íris meio vermelha.

— COMO?

Ela diminui de tamanho alguns centímetros frente ao meu pânico. Íris vermelha? Quem fica com a íris vermelha? Como alguém fica com a íris vermelha? Eu tinha milhares de perguntas, a confusão estava bem demonstrada nas linhas do meu rosto. Eu quero insistir, quero saber o que aconteceu. Mas, de repente, me sinto tão cansada que mal consigo mover os lábios. Pela segunda vez no mesmo dia, sinto minha energia vital fugir de mim. Então ouço uma voz. A mesma de sempre:

“Esqueça isso. Não importa”.

Sim. Vou esquecer.

Nara vê meus olhos caídos, minha respiração pesada. Segura minha mão e a examina, para constatar se tenho vontade suficiente para movê-la. Depois de mexer em meus dedos um por um e concluir que não estou com ânimo nem para impedir que ela estale meus ossos (coisa que detesto), sorri para mim e diz:

— Bom… você não vai assistir mais aulas hoje, não é?

Eu sinalizo que, com certeza, não.

— Legal. Então vamos dar um jeito de sair daqui. Podemos sair, nos divertir e…

Ao ver a animação de Nara, me recordo do por que estou ali. Por que cheguei ao ponto ridículo de correr e me esconder atrás de uma planta. Mesmo que eu tenha conseguido me distrair das lembranças anteriores, elas voltam. E com força. Os problemas com Nara, as imagens em vermelho, meus olhos vermelhos, Luan… tudo acabou me deixando exausta. Com o corpo cansado, eu não via como ignorar as dores ainda persistentes. Pelo que vejo, elas ainda vão levar tempo para passar, já que estão todas trancadas aqui dentro. Sei perfeitamente do que preciso agora.

Eu preciso chorar.

E sei como fazer isso.

— Nara – digo levantando e sentindo os joelhos latejarem – quem sabe seja a hora de apenas ir para casa e assistir um filme.

Ela parou uns segundos e sorriu para mim. Pareceu compreender exatamente o que eu queria.

— Tudo bem, vamos para casa assistir Moulin Rouge pela qüinquagésima nona vez na sua curta vida de quase dezessete anos.